CARTÃO DE NATAL

Em Pinheiros, na rua Teodoro Sampaio, esquina com rua Cunha Gago, havia uma grande loja de uma cadeia japonesa que se instalara no Brasil, a Yaohan. Parecia o Mappin. Tinha um supermercado com comidas de primeira e um tipo de grande loja de roupas, discos, brinquedos, TVs, rádios. Era bonita, limpa, ampla, decente. As compras de Natal eram feitas lá, mas antes, logo no dia 2 ou 3 de dezembro eu ia comprar os cartões de Natal. Escolhia cada um de acordo com a personalidade de cada amigo. O mais íntimo ganhava o cartão mais bonito, os distantes teriam os mais impessoais. Em casa eu escreveria um texto, com caneta tinteiro, letra artística. Selar envelope e ir ao correio, onde haveria fila. Era ato de amizade, de beleza delicada, era muito real. Nada havia de automático. ---------------- Dia 20 ou 21 eu receberia os cartões de meus amigos. Haveria surpresa pela lembrança daquela menina que eu nem sabia que pensava em mim. Abrir o envelope e ler a mensagem. Então colocar cada cartão ao redor da árvore. A data natalina crescia ao nosso redor a cada cartão que chegava, a cada cartão que era enviado. Tradições eram mantidas, costumes, hábitos que eram repetidos como encontros conosco mesmo. O Natal era recordar e reafirmar certezas. Manter um compromisso. Conservar uma tradição que dava paz ao coração. ---------------- As receitas que minha mãe faria tinham de ser sempre as mesmas. O bolo de nozes. As rabanadas. O pudim de morangos. O polvo na noite de Natal e o perú no almoço do dia 25. Bolinhos de bacalhau bem salgados, com salsinha, a champagne e o vinho. Tudo tinha de ser repetido porque assim dizíamos à vida que nossa união permanecia, mais um ano, pela vida. Era uma celebração de força: eis que estamos aqui. Por mais que a vida seja mudança, NADA MUDOU. Nossa família é eterna. Era isso o Natal, uma confirmação de laços. O nascimento de Jesus nos fazia ter certezas. Ele nasceu outra vez e nós também nascemos no Natal. Por mais um ano. -------------- Escreverei mais sobre a mais importante data de nossa civilização. Mais tarde.