NO TEMPO EM QUE CADA NAÇÃO ERA UM MUNDO ÚNICO
Globalização? Bela porcaria! Cada vez mais as pessoas irão perceber que não haverá a menor chance de fuga. Isso porque cada país, cada cidade será exatamente a mesma. Voce viajará para o oposto de onde vive e lá achará tudo exatamente igual. Vou falar apenas de um país, um país europeu, há quem não o ache europeu, e bastante conhecido: Inglaterra. Vamos até lá no ano em que nasci, 1962, e se estou vivo, não faz assim tanto tempo. No café da manhã voce comeria rins fritos, linguiça, feijão enlatado, ovos e torradas. E uma xícara de chá. Com leite. O jornal estaria à disposição na rua, voce jogaria uma moeda numa bacia e pegaria um. Homens vestidos de preto, chapéu coco e guarda chuva na mão. O inglês falado teria dezenas de sotaques, um para cada bairro de Londres. Aos domingos nenhum esporte poderia ser jogado, era o sagrado dia do cricket. E é aqui que uso o futebol como exemplo de globalismo. Na primeira divisão, nas finais da copas, nos jogos da seleção, jamais podia se jogar aos domingos. Domingo era cricket e cricket era a própria nação. A rodada do campeonato, de todas as divisões, era sexta e sábado, e um jogo na segunda. --------------- O futebol era maravilhoso. Eu sei porque eu vi. O Tottenham era o atual campeão. No ano anterior dera Ipswich Town. Os estádios ingleses eram inconfundíveis. Vou os descrever. ------------- O SOM. Era uma profusão de "oooooh" e de "aaaaaaaah". Durante todo o jogo havia um ruído de xingamentos pesados, refrões sujos, provocações ardilosas. A TORCIDA. Isso era lindo e das coisas mais únicas da ilha. Eram 80 mil pessoas onde caberiam 40. Todos no quase escuro, uma massa de rostos apertados, faces que surgiam das sombras. Todos de preto, bonés de lã. Muita molecada nas primeiras filas. Sem alambrado. Quase dentro do campo de jogo. Clima feroz. A ARQUITETURA. Eram estádios maravilhosos. Eram feitos para pareceram o lar do time. Daí os telhados. O bar no canto. A madeira aparente. O GRAMADO. Quanto mais lama melhor. Fog era bem vindo. O grande jogador era aquele que deslizava na lama. Que sangrava. Que tinha um dente a menos. Todo time tinha um craque habilidoso. George Best no Manchester United é um dos caras mais dribladores que já vi. Mas o ídolo era o centroavante limitado porém forte, duro mas raçudo, o ídolo era aquele CARA QUE ERA COMO NÓS.----------------------- Esse tipo de jogo só havia na Inglaterra. Na Alemanha o jogo era muito mais organizado e treinado. Na Itália se dava valor a defesa intransponível. Na França se dava vez ao toque, ao passe. Na Espanha era o jogo cigano, uma confusão de jogadores estrangeiros. Já a Inglaterra era o jogo da lama, do tempo sempre ruim, do passe alto, da velocidade e principalmente da raça. Assistir, aqui, no Brasil, em 1980, um jogo do campeonato inglês, era ver um dos muitos outros modos de jogar futebol. Em meio a Zico, Falcão, Cerezzo e Rivelino, ver Ian Rush, Dalglish, Keegan, era ver outro esporte. Era único. Era divertido. Era diferente. ------------------- Esse esporte começou a morrer nos anos 90 com a globalização. Hoje se joga o mesmo jogo no mundo todo. O que muda é a quantidade de dinheiro gasto. Os estádios têm o mesmo estilo, as torcidas devem se comportar do mesmo modo, o jogo almeja ser Barcelona ou Real Madrid. Todos querem jogar nos mesmos 8 times. ---------------- Posto três jogos raiz. Divirta-se.