SEROTONINA - MICHEL HOUELLEBECQ

O nome dele é Florent e ele é livre. Tem dinheiro, sempre teve. Trabalhava para o governo francês. Tinha uma namorada japonesa, linda e sexy de 22 anos. Ele tem 46. É livre como eu já disse. E sem que ele saiba, ou saiba demais, é essa liberdade que o destroi. ---------------- O namoro está no fim. E ele a abandona ao descobrir que ela faz videos pornô harcore por hobby. Resolve sumir. Sai sem rumo pela França. Rumo norte. Mora com um amigo pecuarista, um descendente de nobres. Depois procura suas ex namoradas. Come. Bebe. E volta à Paris. Se voce está deprimido não leia este livro. Nos primeiros capítulos é quase uma comédia. Da vontade de rir do personagem tão irritado. Mas depois a gente sente sua prisão. Eu disse prisão? Mas não falei que ele é livre? Pois é. Livre para fazer o que quiser. Preso pela depressão. ------------------ Ele toma anti depressivos e perdeu a libido por isso. Sem a libido o que ele faz? Recorda quando tinha desejo. Bebe. Come. Engorda. Viaja sem prazer. Sofre a mais não poder. Não se engane: o autor fala da França de 2017, data do livro. O amigo se mata como se matam os agricultores franceses. São mais de 80 mil agricultores que a União Europeia quer que sejam 5 mil. Não há como competir com o leite que vem do Brasil e a carne que vem da Argentina. Florent sabe que a França não existe mais. Lixo, pobreza, drogas, sub empregos, sexo sem prazer, não é o fim da Europa, é seu apodrecimento. A elite vive como em transe, seus prazeres, terminais, são vazios e sem porque. Daí a pornografia. A gula. O alcoolismo. E as drogas. Tudo é politica de fato: Paira sobre as pessoas a ditadura da União Europeia. Não se pode viver como se vivia, é obrigatótio se adaptar à nova ordem. Voce consumirá o que eles desejam, não o que voce precisa. Desejará o que te é imposto querer. E será livre, completamente livre. A questão é: Livre para fazer o que? Morrer. --------------------------- A liberdade como uma imposição leva ao suicídio porque mata aquilo que nos mantinha vivos: familia, Deus, costumes. Isso Laurent percebe no fim do livro. Que ele não se casou por ser livre e que se casar é aceitar o sacrifício pelo outro. Voce se submete à lei de Deus, voce abre seu coração à compaixão pelo companheiro. Pessoas livres fogem disso. Não podem se submeter, não querem sentir compaixão por humanos. Mas de modo absurdo, são cooptadas pelo mundo do futuro, o mundo que preza sua liberdade individual mas não aceita a liberdade social. Espanhois não são mais espanhois e poloneses não podem ser poloneses. Mas são livres. ------------------------ Então Florent se vicia em bebida e TV. E não quer amigos ou amores. Nota que o erotismo na TV sumiu. Que programas de comida tomaram o lugar das moças de biquini. Ele come. Ele engorda. Ele entristece. Lê Thomas Mann e percebe que Mann só queria uma coisa na vida: ( palavras do autor ) Bucetas jovens úmidas. Que no auge da cultura europeia, o autor mais dotado queria apenas isso, uma trepada com alguém jovem. Assim como Proust. Assim como Goethe. Toda a cultura perdendo todo valor em favor disso: a jovem bucetinha úmida. -------------- Então ele lê Conan Doyle e encontra um autor mais sábio. Ao contrário de Mann ou Proust, ele vê em Doyle páginas de bondade, ainda há em Doyle o desejo pela ordem, pelo bem, pela união de todos os indivíduos. Doyle luta pela luz. E Florent diz: Nós não criamos esse mundo de liberdade. Tivemos de nos virar dentro dele. Transcrevo as últimas linhas deste livro fundamental: " Na verdade Deus se encarrega de nós, pensa em nós em cada instante e nos dá instruções às vezes muito precisas. Os arroubos de amor que irrompem no peito e nos prendem a respiração, as iluminações, os êxtases, inexplicáveis se considerarmos nossa natureza biológica, e nossa condição de simples primatas são sinais claros. E hoje entendo o ponto de vista de Cristo, seu desespero: Eles têm todos os sinais e continuam com o coração endurecido. Não levam em conta os sinais." ---------------------- Se no começo do século XXII ainda houver leitura séria, este será um dos livros para se entender o começo do século XXI.