ROSSINI E A GRAVAÇÃO DE MÚSICA

Para voce saber: Giacomo Rossini foi o compositor mais amado e conhecido de todo século XIX. Suas óperas o fizeram milionário, e após uma sequência de sucessos ele abandonou a carreira ainda jovem. Pelo resto de sua vida se dedicou ao prazer, principalmente a comida ( há um prato que ele criou que leva seu nome ). Stendhal escreveu sua biografia, uma obra que o coloca como maior compositor da história. Concordo com tanta adulação? Claro que não. Então seria Rossini um autor de segunda categoria? Jamais! Escutado em 2021 ele ainda encanta. -------------- Há um fato que sempre esquecemos: até o século XX, voce, mesmo se vivesse 80 anos, escutaria uma sinfonia de Beethoven ou uma cantata de Bach, no máximo, 3 vezes, com sorte. Não havia gravação. Não havia rádio. Por isso uma obra tinha de causar uma forte impressão de primeira. E nisso Rossini era mestre. O BARBEIRO DE SEVILHA, um dos seus big hits, causa impacto na primeira escutada. É ebuliente e profundamente alegre. Italiana ao extremo. Viril. Festiva. São horas de joie de vivre. O Barbeiro ama a vida e ama a vida que tem. A música traduz isso a perfeição. Sucesso, como Beethoven dizia, merecido. ( O alemão pediu ao italiano que fizesse mais Barbeiros ). ----------------- O que posso fazer hoje seria um sonho de estetas do século XIX. Poder ouvir numa tarde Rossini e Beethoven, Dvorak e Chopin. E melhor, saber que amanhã posso os escutar mais uma vez. Claro que há um outro lado, o risco de que as falhas surjam mais evidentes. Mas não é o caso. O público do século XIX reagia com mais paixão por saber ser aquele o único momento. Nós sabemos que o momento pode se repetir, o que desbaloriza a fruição. Mas, mesmo assim, o ganho compensa a perda. ---------- Sou antigo e vivi ainda o tempo em que não havia VHS, e portanto, ver um filme era momento único. Voce via, por exemplo, JULIA no cinema e sabia que talvez nunca mais o visse. Mesmo na TV, RASTROS DE ÓDIO em 1976 só seria reprisado em 1985. Um episódio de série perdido era perdido para sempre. Isso dava um sabor de "momento irrepetível" à coisa. Imagino a emoção de ser arrebatado pelo Barbeiro e saber que com sorte voce o veria só mais uma vez. ---------------- A versão que ouço é de 1958, e tem Tito Gobbi como o barbeiro Fígaro, Luigi Alva como o conde e Maria Callas como Rosina. Todos são mitos. O maestro é Alceo Galliera e a Philarmonia Orchestra toca com brio. A voz de Callas faz misérias!