O CANAL MUSICAL

Li faz bastante tempo que cada tipo de música penetra em nossa alma ativando uma área de nosso corpo. Seria como se a música excitasse uma certa região de nossa matéria e através dessa penetração ela atingisse seu alvo, nosso interior mais íntimo. Claro que há musicas que simplesmente morrem em nossa pele, assim como há aquelas que penetram por mais de um local. São raras e me abstenho de delas falar. Creio que música depende muito de sua história de vida, de sua sensibilidade. O que para mim tem o poder de me tomar completamente, para voce pode ser nada mais que uma brisa perfumada. Mas existe um critério de gosto e gosto meu caro, se discute sim. --------------------- Nesse texto que li era dito que a música dita erudita, prefiro o nome clássica, atinge nossa cabeça. Ela age em nós de um modo totalmente intelectual, mental. Claro que grandes gênios conseguem atingir nossa alma inteira, então voce sentirá seu coração desfalecer ou se alegrar, mas seu canal de entrada é a cabeça e é por isso que esse tipo de música exige tanta atenção. É o cérebro e só ele que serve de chave para abrir as portas da alma. -------------- Observe que tanto o jazz pós 1952, como o rock dito progressivo tentam fazer o mesmo. Conseguem? Na verdade não. A música erudita do século XX, boa parte dela, tentou entrar de um modo mais visceral, pelo coração. Conseguiu? Não. O jazz nasceu como música do coração, Jelly Roll ou Louis Armstrong, Count Basie ou Billie são 100% emoção. Com Duke Ellington começa a tentativa de intelectualizar o jazz. O rock tem o mesmo canal que o jazz, o peito, o coração. Para se ouvir rock não é preciso atenção, é preciso estar no mesmo feeling, é preciso sentir o rock e não pensar o rock. Quando gente como Kraftwerk ou Eno tentam fazer do rock algo cerebral, mental, eles se perdem ao não ativar a emoção. Eu adoro Kraftwerk e Eno, mas apenas quando eles me emocionam. Ao contrário do que a maioria pensa, a música clássica não existe para emocionar, ela deve sobretudo causar admiração. Claro que Chopin ou Mozart irão nos emocionar muito, mas a chave do entendimento desse tipo de música está na construção, na elaboração, no processo mental. ------------- Já o rock precisa nos emocionar sempre. Um single de 3 minutos tem a obrigação de nos dar, rapidamente, algum tipo de resposta do coração. Se não acontecer, falhou. Bandas como Beatles ou Stones entenderam isso de forma intuitiva. Suas melhores canções declaram tudo nos primeiros 10 segundos. Suas obras primas não passam dos 4 minutos. -------------------- O terceiro canal fica na região dos orgãos sexuais e toda melhor música negra vai direto naquela região. Nossos quadris se movem e ela não nos emociona necessariamente, mas tem a obrigação de nos aquecer, embalar, mover. O rock e o jazz visitam esse canal com frequência, o erudito jamais. É o som do transe físico, o som que entra em nossa alma da forma mais simples, pelo sangue, pelo umbigo, pela pelvis. É um canal ligado aos tambores, a percussão, a pulsação. ---------------------- Assim, podemos também dizer que o som do cérebro está baseado na harmonia, o coração na melodia e a pelvis no ritmo. Por isso não há problema algum em ouvir os 3 tipos de abordagem musical. Cada um irá excitar sua alma por um canal diferente, provocando então uma espécie de resposta diferente. Nossa alma agradece pensando, se emocionando e dançando.