REENCONTRO COM ALGUÉM QUE NÃO EXISTE MAIS
Estou numa escola. Nela eu estudei dos 10 aos 16 anos. Os anos formadores eu passei lá dentro. Ando pelos corredores caçando minhas lembranças. Não se força a memória. Não devo caçar. Ela pousa em nós se quiser. Voce lembra quando esquece de lembrar. -------------------- Uma coisa percebo: fui feliz lá dentro. Ao contrário de todas as escolas onde estive depois ( três ), e das faculdades ( duas ), as lembranças deste lugar são risonhas. Será pela idade que lá estive? Ou seria a época? Os anos 70... ( 1972-1978, esses meus anos lá dentro ). Entrei sob Roberto Carlos e Simonal, saí no tempo de Fabio Jr e Sidney Magal. Fiquei lá de Ziggy Stardust até a disco music. Poderoso Chefão até Contatos Imediatos. Uma grande década! Os anos 70 foram tão voláteis que a gente sente que foi uma década cheia de décadas dentro dela. Entro nesta escola no tempo dos hippies e saio na ditadura de John Travolta. E tudo isso em apenas sete anos! ------------------- Minha última sala lá, o oitavo B, foi a melhor sala de todas. Era cheia, era formada por várias panelas, era habitada por meninas lindas. Ah....a doce moda feminina de então! Franjinhas e cabelos longos...bustiê e jeans altos....saias curtas...tudo coberto pelo avental branco que tínhamos de usar. Nada na vida me dá mais saudade que meus longos cabelos de então. Não dá pra ser feliz sem cabelos voando na rua. A sensação do cabelo cobrindo a testa e deles batendo no pescoço reafirma aquilo que somos: vivos. Sansão perdeu a força ao ter seus cabelos cortados. Simbologia simples e correta: toda geração de cabelos curtos é uma geração sem graça. ------------------------ Hoje, 2021, uma professora me chama. Conversamos e descubro que ela estudou comigo, veja só, na mesma sala em 1978 ( parece ficção, não é, isso é fato ). Ela cita os nomes de então: Ligia, Flan, Mellão, Marinho, Claudia Valverde, Betty, Alimari, Leonardo, Ivo, Regina, e me mostra fotos dessas pessoas em 1978 e agora. Sim, ela é desse tipo de pessoa que mantém contato com todo mundo. --------------------------- Deus meu, elas eram realmente bonitas! A beleza sem maquiagem, de muito sol na pele e cabelo solto que se usava então. A beleza que está associada de forma íntima à saúde física. Sorrisos. A moda era ser feliz. Mas... este é um estranho texto anti Proust e sinto na alma que o tempo é irrecuperável. A idade levou tudo embora e elas e eles, que são os mesmos, não são os mesmos. De Ricardo Mellão, que posa hoje com um charuto na boca e se parece muito comigo, nada restou a não ser a lembrança de sua história. De Ligia que era linda como um fim de tarde na praia, tudo que vejo é uma senhora pesada e tingida. E de mim o que restou é a memória dos meus cabelos idos. Não, não sinto vontade de chorar e nem fico triste. É pior, sinto a frieza da ausência. Eles não existem mais. O que reencontro naquela escola é um lugar que não é aquele que deixei. E eu, e eles, somos algo que não existia em 1978. --------------------------- Espero um dia voltar ao tema com outra visão.