EM GRUPO

Ando lendo EMMA, único livro de Jane Austen que eu ainda não lera. Mas não é dele que falo agora. O que desejo lembrar é o tempo em que ler era uma atividade pública, grupal. Para quem não sabe, a capacidade de se ler em silêncio, sem falar enquanto se faz a leitura, é coisa recente. Ela começa no século XVIII e se torna hegemônica apenas no XIX. Lembrei disso ao perceber, em Austen, que cartas são lidas sempre para alguém, mesmo que esse alguém saiba ler, e que livros são lidos na sala, à noite, para a família. O prazer da leitura só é completo SE FOR COMPARTILHADO. ------- E assim foi com tudo. Há em nós a tendência histórica de sempre partir do público para o privado. E eu, com mais de 50 anos de idade, testemunhei a transição de 3 hábitos grupais que se tornaram privados. ---------- O jogo. Não havia até mais ou menos os anos 80 nenhuma possiblidade de se jogar qualquer coisa sozinho. Mesmo jogos eletrônicos eram jogados em locais públicos e os primeiros video games caseiros eram jogados a dois. Não havia graça nenhuma em jogar sem alguém contra, ou melhor, o prazer do jogo era se exibir a alguém. Ouvir gritos, queixas, incentivos. Isso não existe mais. E penso que um gamer de 18 anos odiaria só poder jogar na presença de pessoas reais. ------------- Em 1981 quando a Sony lançou o walkman, invenção da Philips, que o dispensou por acha-lo desinteressante, muita gente dizia: Um walkman jamais vai vender! Quem vai querer ouvir música sozinho? Creia, no Rio de Janeiro diziam que walkman era coisa de paulista, aquele povo triste que até pra ouvir música era egoísta. Não preciso dizer como esse modo de pensar nos parece hoje pré-histórico. Mas, que coisa, lembro agora que até meus 18, 19 anos eu nunca havia escutado música só. Sempre que eu punha um disco meu irmão ou algum amigo vinha ouvir comigo. O pensamento era: qual a graça de ouvir algo se não puder compartilhar? Voce acha que comento música aqui por que? ------------ Da TV nem é preciso dizer nada. Ainda sinto imenso prazer em ver TV com alguém. Não há prazer algum em ver algo sem poder falar sobre aquilo que se vê. TV, assim como rádio, era um convite. Não havia essa coisa de ir lá e ligar o aparelho. A gente falava alto: Vamos ver TV? Vizinhos eram convidados. Morando só, ver TV no quarto ainda é pra mim um ato de imensa solidão. --------------------- Por fim, o cinema. Sou do tempo em que se aplaudia uma cena perfeita e se vaiava um vilão. Ao final da exibição, se o filme agradasse, todos se levantavam e aplaudiam. Havia uma espécie de comunhão. Filmes como EMBALOS DE SÁBADO À NOITE, GREASE, STAR WARS, CONTATOS IMEDIATOS, deviam muito de sua lenda às reações da platéia. Eu vi muita gente dançando durante SATURDAY NIGHT FEVER, e vi o povo aplaudir Z por cinco minutos após sua exibição. Dizem que o cinema sonoro, quando inventado, teve resistência porque as pessoas gostava de falar durante o filme mudo. Com os diálogos tinham de se calar. Nossa história nos leva ao silêncio. --------------------------- Já está claro que a vida familiar, raiz do público e do privado, não mais existe. Entre pessoas pobres é raro encontrar uma família não fraturada e entre ricos o espaço os divide em células isoladas. A relação familiar é no máximo a mesma que há entre amigos. A intimidade compartilhada se foi. --------------- Então penso que as últimas atividades grupais tendem a desaparecer. Igrejas, espetáculos esportivos, shows, festas. De certo modo os shows já perderam o caráter celebrativo a partir do uso do celular. Cada um está sozinho em sua tela. Cada um grava SEU show. -------------- Talvez o ódio dos moderninhos a coisas como igreja e exército tenha muito disso. São atividades arcaicas que exigem a submissão do EGO ao GRUPO. --------------- Sexo? kkkkkkkkkkk Vc realmente transa a dois?