AQUELA SINFONIA QUE TODO MUNDO JÁ OUVIU ( OUVIU UM MINÚSCULO TRECHO )

Anos atrás encarei a longa NONA de Beethoven. Ela dura uma hora e dezessete minutos, mais ou menos, depende do maestro. Apenas Mahler iria a partir de 1900 fazer sinfonias mais longas. Pois bem, essa minha primeira experiência foi frustrante. Achei a música flácida e o coro final, o quinto movimento, nada empolgante. Claro que culpei minha ignorância musical e abandonei a ideia de reouvir a nona. Mas agora, após ler algumas obras sobre música e entrar nesta minha fase musical, achei um cd da nona por apenas cinco reais. Um dólar veja só. Uma edição especial de EMI. A sinfonia gravada ao vivo, em Bayreuth, 1955. O maestro é o mítico Wilhelm Furtwangler, a orquestra a do festival de Bayreuth. Li que este LP, em 1955, vendeu muito. Era usado pela classe média americana como modo de testar a qualidade de seu novo equipamento de som, a High Fidelity. Eram duas bolachas em edição de luxo. Escutei a obra ontem, por volta da duas da manhã. Ouço então os acordes do primeiro movimento. Os quatro acordes que nos surpreendem, pois a sinfonia se inicia em modo misterioso. E ela é toda assim. Em meio à melodia, acordes quase dissonantes. Seus ouvidos procuram o tema e o perdem. Beethoven exibe motivos em cima de motivos e os abandona com uma orquestração que se mantém no fio da navalha todo o tempo. É como se todos os quatro primeiros movimentos fossem uma pergunta sem fim. Então vem o quinto. Eu, como disse, decepcionado, esperava o tédio de uma obra conhecida demais. Mas assim que a voz de Otto Edelmann entra, o milagre ocorre. É potente! Muito potente! Serão 24 minutos da mais perfeita genialidade. E, pela primeira vez eu percebo o que nunca havia aceito: a voz humana como o mais perfeito dos instrumentos. O coro, do festival de Bayreuth, chega a me assustar. Ele não parece deste mundo. São dezenas de vozes em fogo. Nada há de doce aqui. Os versos de Schiller se tornam heroicos. Hans Hopf, o tenor, torna-se uma montanha, um sol, um ser dos céus. E é nesse momento que toda a sinfonia faz sentido. As indagações, as exitações propositais se tornam luminosas. No último minuto o coro atinge o climax absoluto. Nasce então o futuro. A Nona é um parto. Desabam os aplausos. É a melhor versão da gravadíssima Nona. Esplêndida. A palavra sublime cabe aqui. Foi um longo caminho, dos tambores das tribos pré históricas à orquestra de Bayreuth. A música, de certo modo, é nossa maior criação.