UM MENINO FUMANDO UM CIGARRO ( POST POLITICAMENTE INCORRETO )
No sublime video que postei: Roger Daltrey e Wilko Johnson, entre várias cenas de absurda vitalidade, há uma, deve durtar meio segundo, em que vemos uma menino, ele deve ter por volta de 10 anos, fumando um cigarro. Ele anda com uma bolsa e tem os olhos franzidos, parece cheio de ira. Há algo alí que me toca profundamente. E já aviso que eu não fui aquele menino. A criança que fui está em outro video, e talvez esta semana o reposte.
Esse menino não está fumando maconha, o que vemos tanto hoje. Ele, portanto, não está entrando no relaxamento modorrento da erva. Também não é crack ou cola de sapateiro. O menino não irá penetrar na psicose das drogas alucinógenas. Não, ele fuma um cigarro de nicotina, um fedido e cancerígeno cigarro de nicotina. E, ao contrário das outras drogas, quem fuma um cigarro aos 10 anos não está procurando fuga ou anestesiamento, não está querendo ficar louco ou perder a razão, ele está querendo ficar adulto. O menino de 10 anos, veja o vídeo, de um modo petulante, irado, nervoso, agressivo, quer ser um dos adultos, ser como algum tio de topete que com certeza ele tem.
Era um tempo onde adultos não queriam ser crianças, eram as crianças que desejavam fumar, beber, transar, dirigir um carro, usar uma arma, morar só, viajar, ser respeitado, ser chamado de Mr. Jones ou Mr. Thompson. Mas nem é isso que mais me impressiona, o que é muito foda é a ira que está na cara do moleque.
Sem essa ira, que pode ser chamada de fibra, de coragem ou de falta de vergonha na cara, NÃO SE PRODUZ ABSOLUTAMENTE NADA QUE NOS DEFENDA DO MAL. E acho que te peguei de surpresa com essa linha! Porque eu me peguei de surpresa! Eu achei que ia escrever que não se produz nada de bom, ou que não se ia adiante. Mas não foi isso que saiu. Algo em mim disse: Não cara, se pode fazer muito boa coisa com passividade, doçura, moleza, até com tolice se faz. Mas não se defende uma cultura da extinção, ou uma civilização da ruína, de seu fim melancólico, sem a espinha esticada em atitude de ira. Sem fibra as boas obras desparecem em destruição indiferente. Sem fibra nada é salvo do seu destino comum. Sem fibra nem uma familia consegue atingir seu objetivo final.
O menino com seu cigarro pode ter morrido aos 15 anos. Pode ter sido um hooligan que armou brigas homéricas em jogos do Leeds. Pode ter sido um fracasso completo na vida. Mas, por ter essa ira, essa fibra, essa atitude de desafio, ele pode cumprir seu destino, fosse ele de defunto jovem, hooligan ou sem teto. Ele não se encolheu em lamúrias ou em delicada passividade auto sabotadora. Ele foi. Ele atuou. Ele sim.
É isso.