BENÇA PAINHO
Eu comecei minha adolescência nos anos 70. Não foi fácil. Não conseguia me situar. Gostava de rock, e gostar de rock no Brasil era esquisito. Voce tinha de ser um bicho grilo. Mas eu detestava bicho grilo, detestava suas roupas odara, seus cabelos escorridos, suas gírias e seu modo maconheiro de ser e de pensar. Tudo sempre tava numa boa. Tudo tinha altas energias. Sem grilos e sem fundir a cuca.
A outra opção eram os playboys. Os que ouviam Bee Gees, Abba e John Travolta. O povo das discoteques. Esses eu suportava, achava as roupas bacanas e as gírias melhores. As meninas eram lindas. Umas cocotinhas. Mas eles não ouviam rock! E isso estragava tudo. Então eu me sentia fora de lugar nos dois grupos.
Bicho grilo, em 1979, ouvia Caetano, Gil, Bossa Nova e tudo que fizesse parte dessa patota. Estou falando de 41 anos passados. É muito tempo. Não havia nem VHS nas casas. Pois bem, vieram os anos 80 e uns caras da minha geração disseram que iam mudar isso, que os bicho grilo iam acabar. Mentira, total mentira, pois, 3 anos depois, em 1986, todos os que falaram isso estavam puxando o saco de Caetano, Gil e gravando pseudo bossas.
Temos um profundo amor pelo Beija Mão. Paulo Francis sempre disse isso. Brasileiro adora puxar o saco de artista rico. Caetano é o dono das mentes de certos grupos sociais desde 1967. Ele os guia e qualquer besteira que ele fale é joia rara. Não há artista que não deseje ser aceito por ele. Como rainha da Inglaterra, ele acena seu cetro e faz do mortal, um Sir.
Nas outras artes a coisa é igual. Faz 50 anos que um ator ou atriz não será bem sucedido se não tiver um contrato com a Globo. Se Caetano e Gil são as rainhas, a Globo é Camelot. Sentar-se em sua mesa redonda é o Olimpo das artes tapuias. O puxa saquismo sobre os globais é tão aceito, se tornou tão corriqueiro, que nem causa espanto. Fulano de Tal faz o que? Trabalha na Globo. Oh! Quero o servir!!!!! Beijar sua talentosa mão!
Não conheço país que seja assim. Nos EUA, Bob Dylan é ignorado solenemente por 90% dos artistas. E na Inglaterra ninguém dá muita bola para MacCartney ou Jagger. Mesmo seus fãs os vêm como entertainers, não como arautos da verdade. Guias de consciências. Dylan odiava ter esse papel, ele o perdeu em 1970.
Dizem que herdamos esse amor por puxar o saco, graças a corte que aqui esteve. Bobagem! Todo país, fora os EUA, teve uma corte, e nem por isso se tornaram puxa sacos eternos. Na literatura puxava-se o saco de Jorge Amado, de Chico Buarque, até de Jô Soares ( esse é Global, um deus do Olimpo ). Jorge falou, Chico disse, JÔ acha...isso era lei.
90% dos estudantes de comunicação sonhavam em conviver com os deuses. Ter a honra de puxar o saco de Dimenstein, de um dos Frias, do Jabor. E poder assim, fazer o que eles sempre fizeram: Elogiar quem é do Olimpo ou quem puxa o saco dos deuses do Olimpo. Um eterno retorno.
Convivi com esse povo. E me dava uma mistura de risos e de vômito ver mais uma geração perdendo tempo em elogiar Glauber, Zé Celso, Fernandona e Clarice. Sempre, desde 1979, os mesmos, e, quando surge alguém de 20, 25 anos, voce vai ver quem é essa pessoa, e lá vem ela citar Chico, Caetano, Gil e a Tropicália. Gente nascida em 2001, 2002, já com aquela lusitana nostalgia do reino que nunca houve, no caso, o Brasil de antes de 64 temperado pelas artes de 68.
Por Deus! Que tédio! ( Há excessões, mas esses são vistos como bobos da corte. Telmo Martino. Paulo Francis. E até o Millor. Tom Jobim, coitado, que amava os EUA e nunca foi bicho grilo, era tratado como um tipo de "criança velha", um ser puro, que não sabia nada da vida suja ).
O que vemos então, hoje, são esses seres Olímpicos se estupidificarem com um povo, eu incluso, que ousa chama-los de humanos. Que ouve suas opiniões e as trata como aquilo que são, meras opiniões, e não oráculos. A direita brasileira, burra, suja, tapada, ignorante, podem falar o que quiser, são só opiniões, trouxe à esta taba um sopro de acidez e de anti intelectualismo muito bem vindo. Se durar alguns anos, teremos algo muito novo aqui: artistas que não fazem parte de uma hierarquia de berço e de títulos outorgados. Artistas que pouco se lixam para o que pensa Caetano, Gil, Chico, Zé Celso e seus artistas de estimação. O fim do "jovem de 1968", o fim do bicho grilo.
Por isso esse ódio irracional. Por isso essa resistência de almofadas de cetim. No âmago de tudo vive uma frase não dita, mas sentida por todo deus do Olimpo- Jardim Botânico e pelos cantores e cantoras do bá dá lá lá: Como ousam nos desmoralizar? Como têm a coragem de não beijar nossas preciosas mãos?
Como consolo, para tentar sair dessa ofensa, bradam em bom som: Não faz mal! São apenas ignorantes analfabetos!
Ora caros e queridos Caetanetes ( e quem me conhece sabe o quanto eu gostava dos discos do Odara ), voces têm sorte de sermos brasileiros, pois não fazem ideia do quantos os artistas velhos são atacados nos países de cultura, digamos, mais democrática. A arte, Caetanete, vive de renovação, e para ser forte, o mato velho e seco precisa ser eliminado. É preciso espaço. É preciso ofender para se afirmar. Essa a lição de cada movimento que surge, dadaístas dizendo que Picasso já era e os pop art divulgando o fim da arte.
Mas aqui, ora aqui....aqui a arte é como a política, quem pega o osso não quer largar jamais. Não falo de aposentar o artista velho, óbvio que não, mas saia do holofote, pare de se colocar como avalizador de tudo o que acontece. Pare de esticar vossa mão para ser beijada. Deixe o trono vago, queime o trono e instaure uma república das artes.
Bichos Grilo...no more.