EU CONTRA VOCE. EU COM VOCE.
O ser humano é muito original. É um animal gregário, que necessita estar em grupo, que só é feliz
quando conectado à seus semelhantes, mas ao mesmo tempo ansia por ser único, diferente, original.
A contradição existe desde pelo menos o começo do cristianismo. Na igreja sempre houve a ideia de
rebanho unida aos mártires que se destacavam do grupo, ou aos homens que se isolavam no deserto ou
em cavernas.
Observo agora que em sociedades muito primitivas não existe a ideia de isolamento. Entre indios do
Brasil não se verifica o homem que ansia por sair do grupo, e mesmo na Grécia antiga, nada era pior
que o ostracismo. Ser expulso do grupo era pior que a morte.
Os EUA foram criados conscientemente com a ideia dessa contradição. Sua constituição prega a união
democrática e ao mesmo tempo garante a individualidade. É uma obra perfeita modernista. Pois desde o
romantismo há essa luta interna explícita: fazer parte e ser único, estar sendo apoiado e ser livre.
Se a conciência da morte nos faz humanos, o conflito entre eu e eles nos faz modernos.
Assisti ontem um filme novo com Vin Diesel. O tipo da aventura bem feita que toca em assunto sério. O
tipo de filme que mais gosto hoje, POP e pensante. No filme ele é um soldado morto. Volta à vida com
tecnologia de ponta. Até aí nada demais. Mas ele não sabe que sua memória é manipulada. Implantam novas
memórias nele TODO DIA. A cada novo dia ele crê ter sido casado e que sua esposa foi morta. A cada dia
implantam em sua cabeça um novo assassino, para que desse modo ele mata a cada dia um alvo diferente.
Tenho um amigo, sábio em tecnologia, que trabalha com INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Para ele não há dúvida: o
mundo do futuro nos dará a vida eterna e esse mundo será perfeito. Chips apagarão emoções dolorosas e a
tristeza será algo tão arcaico quanto o canibalismo. Mas...e o filme toca nesse ponto, mas e se eu quiser
ser triste? E se eu quiser lembrar da dor? E se eu desejar morrer? Haverá nesse mundo o ponto máximo de
conflito entre o TODO e o EU. E sinto que o EU terá de se radicalizar para sobreviver.
Em 2020 há muito de histeria. Meus amigos mais livres vêm nas máscaras símbolo de domínio. Os mascarados
seriam as primeiras ovelhas do novo mundo. Não acho tanto. Continuo achando que há muito de acidental em
tudo que acontece aqui e agora. Mas a luta está explícita: eu e nós, voces e o que é só meu.
O filme se chama BLOODSHOT e o recomendo.