NÃO HÁ ANTI VIRUS NO MUNDO REAL

   João Pereira Coutinho escreve sobre os "jovens classe média" que derrubam estátuas. Ele faz uma bela comparação com 1984 de Orwell e com o filme de Sean Penn sobre o menino que se isola do mundo. Ele diz que há uma tentativa de se diminuir a história, diminuir o vocabulário, para assim se diminuir o pensamento. Tudo aquilo que possa trazer "problemas" é calado. Para meu espanto, descubro que até o livro de Harper Lee, To Kill a Mockinbird está sendo censurado. O filme com Gregory Peck, uma maravilha, cairá em ostracismo. É o novo mundo: limitado, purificado, homogêneo.
   Eu concordo com tudo que Coutinho fala, mas vou mais longe.
   Imagine que voce cresceu em uma realidade onde não existem fotos ruins. Toda foto voce pode retocar até transforma-la em imagem perfeita. Ou então a apagar. Imagine que nesse mundo só existe quem voce aceita, todo aquele que pensa diferente é deletado. Imagine que voce só faz parte de comunidades que pensam como voce. Onde toda a verdade é a criada pelo grupo. Imagine isso ok?
   Agora imagine que essa pessoa, um dia, vai ao mundo real. O mundo da natureza, dos instintos, do desejo não realizado. Onde imagens feias não podem ser deletadas. Onde um presidente que não é do seu grupo é eleito. Onde o passado existe, aconteceu, e é muito complexo.
  O que voce faz então?
  Tem três caminhos:
  Volta ao seu mundo virtual e se tranca no quarto.
  Procura acordar e encarar a realidade.
  Luta pela instauração do virtual dentro do real. Como? Deletando estátuas feias que não fazem parte do grupo. Apagando posts-livros que negam o grupo. Surrando pessoas que insistem em existir fora do grupo. E achando que o presidente é deles, não nosso.
   Entenda. É o mesmo tipo de pessoa que enlouqueceu ao descobrir com a Covid que a morte existe. E que não há parede ou anti virus contra ela. É aquela que acha que cortar os órgãos sexuais faz de voce uma mulher. Que ser gordo é somente estética e não questão de saúde. É a classe média hiper protegida, que hoje vive numa bolha virtual-mental e que não consegue aceitar nada que vá contra aquilo que ela deseja.
  Derruba-se o passado, pois ele não é bonito.
  Tira-se o livro da prateleira, pois ele é mal.
  Lembro de uma entrevista de emprego que tive, anos atrás, em que um menino dizia gostar muito de ler. Mas que não lia livros de homens mortos. A entrevista era para uma editora. Todos ficaram constrangidos. A entrevistadora perguntou por que. Ele respondeu que livros de gente morta falavam de coisas mortas, portanto eram irrelevantes. Todos seguraram o riso. Isso foi em 2008. Penso que hoje ninguém iria rir.
   Quando voce nega o passado, voce nega aquilo que voce é. Porque voce é fruto da árvore que brotou séculos atrás. Sem história voce é apenas uma coisa que late e abana o rabo. Sim, um cão não tem história. Seu cão é hoje aquilo que os cães foram sempre. Não há passado nos animais. Portanto negar o passado é ser menos que humano. Negar a história é desejar viver no presente eterno. No virtual.
   Como consequência temos o nada.
   Mas isso fica pra outra postagem.