O LIVRO QUERIDO

   Eu gostava era da Bagdá Books. Foi meu primeiro sebo.  Fechou as portas em 2004. É meu favorito até hoje. Sou fiel. Ficava no Itaim, na Joaquim Floriano. Vitrine, fachada de tijolos. Longo corredor atulhado de livros. Logo na entrada, à esquerda, uma estante cheia de edições de Shakespeare. Enormes Cervantes ilustrados. Milton e Chaucer. Por ser um sebo antigo, muitas edições raras, edições que o dono mal dava valor. Foi lá, que em 1992, comprei uma edição de peças de teatro de William Butler Yeats. Capa dura, o livro estava bem judiado. Cinco peças com um mini biografia do autor, por Franck Kermode. Lembro de o ler sentado ao quintal, sol fraco, em duas tardes de maio.
  Abro esse livro hoje, quase 30 anos depois. E percebo que suas frases estão gravadas na minha alma. São filosofias, frases que me guiam, que repito em pensamentos todo dia, frases tão "minhas" que já não sabia serem elas "dele". Eu vejo que anotei todas as vezes que o li e reli: 1994, 1996, 2008. Não vou falar da biografia de Yeats pois contei sua vida em algum outro post aqui neste blog. Mas as peças...Yeats apresentou quatro delas no Abbey Theatre, a famosa casa de Dublin que ele e Synge ajudaram a fundar. Outras duas foram apresentadas no castelo de Lady Gregory para os amigos. O ideal de Yeats era aristocrático. Teatro que não tivesse por alvo o público e muito menos a crítica. Teatro feito para ele e seus amigos, peças para vinte pessoas. Yeats brigou pela independência da Irlanda, foi senador, copilava contos folclóricos do país, estudava a cultura celta, mas sempre foi um aristocrata do espírito. Simbolista, saudoso, e ao mesmo tempo modernista.
  As peças conseguem nos fazer entrar em outro mundo. Fantasmas surgem nelas como fossem uma visita comum. Almas dos mortos continuam a agir sobre a vida das pessoas. Aparições, sensações, maldições. É um mundo remoto, e ao mesmo tempo, ele parece estranhamente vivo. Seriam imagens de nosso inconsciente?
  A linguagem é simples. Toda poesia de Yeats é de sintaxe e vocabulário claro. Cinco personagens no máximo. Um cenário quase nu. Meia hora de duração. Sem nada de dramático, são peças quase silenciosas, equilibradas, plácidas. Não existem grandes frases, discursos, cenas violentas. O destino se cumpre. O certo acontece. O fim chega.
  A mais bela fala da morte de um herói. Que não acontece. Há outra sobre uma fada má que tenta uma jovem esposa. Marujos amaldiçoados no mar. Um espírito que baixa numa vidente. É um mundo além. Fora daqui, Fora daí, onde voce está. E ao mesmo tempo conhecido. Com poucos meios e poucas palavras, Yeats cria algo muito raro. Uma presença.