MÃE X FILHA. THE BIRDS, UM FILME TERRÍVEL DE ALFRED HITCHCOCK

   Há uma corrente crítica que diz que este filme é sobre a frigidez da personagem de Tippi Hedren. Acho isso absurdo. Pois é ela quem sexualiza todo o filme. Como todo grande filme, The Birds nos mostra algo de novo a cada revisão. Ontem eu o revi e percebi algo não notado antes: É uma guerra entre mulheres. E as duas, fêmeas lutando pela posse do personagem de Rod Taylor, invocam a mãe natureza. Os pássaros são os soldados dessa luta cruel.
   Tippi é uma menina rica. Visitando uma pet shop, ela conhece Rod, que lá foi para comprar um casal de Passion Birds, nome em inglês de periquitos. Ela o seduz ostensivamente, tanto que viajará 150 km para lhe entregar o casal de passarinhos. Ao cruzar de barco o canal que a levará à casa dele, o primeiro ataque: uma gaivota bica sua testa. Começa a guerra.
  A mãe está na casa, e desde a primeira cena vemos a raiva em seu rosto. As duas se odeiam. Sentimos o ar pesar. Jamais se atacam explicitamente, não precisam, há os pássaros. Uma cena perturbadora: após o primeiro ataque á casa, a mãe recolhe cacos de suas xícaras do chão. Meticulosa, ela tenta recuperar a ordem perdida. Voltar ao estado anterior. A namorada do filho a observa. No rosto, desprezo, raiva, nojo até. Hitch, sempre esperto, não foca a cena nelas. Rod Taylor fala sobre o ocorrido, mas a câmera, como quem não quer nada, observa as duas.
  O filho vive entre mulheres: mãe, agora uma namorada, a irmã, e uma professora. Muitos filmes de Hitchcock têm mães dominadoras. É sabido que havia um problema entre ele e a mãe. The Birds, feito logo após Psycho, é o mais feroz exemplo de sua neurose. E ao mesmo tempo, é um filme POP. Divertido. Assustador. Um sucesso nas sessões pipoca. Por isso Hitch é único.
  O filme tem duas cenas profundamente eróticas. Na primeira, Tippi Hedren é atacada numa cabine telefônica. Os pássaros se chocam, ferozes, contra o vidro. Tentam perfurar seu corpo. Ela se contorce. Na segunda cena, já ao final, os pássaros a atingem. Ela é bicada por todos os lados. Enquanto sangra, ela geme, e em meio aos gemidos, murmura o nome do namorado. Ela geme o nome como quem goza. Hitch consegue o impensável: uma cena de masoquismo, de sexo pervertido em 1963. Os censores viram apenas violência sem sentido. Nós entendemos o que aquilo é. Não é à toa que Bunuel gostava tanto de Hitchcock. O inglês fazia o mesmo que o espanhol. Sem deixar de ser POP.
  É um filme perturbador. Não tem trilha sonora. O filme inteiro não se beneficia do clima que a trilha sonora dá. A história é quase nada. O roteiro, simples, talvez o mais simples de toda sua vida. E mesmo assim o filme é grande, vasto, imenso.
  No final, Tippi Hedren é carregada por Rod Taylor. Os dois andam com a mãe e a irmã em meio aos pássaros que os observam. Não sabemos se eles sobreviverão. Não sabemos o porque dos ataques. Mas veja: a mãe não tem um só ferimento. E a namorada, talvez esteja morta.
  O filme termina assim, inconclusivo. Lembro que quando o vi pela primeira vez, criança ainda, TV Tupi, minha mãe ficou brava com esse final. Eu tremia de medo. Nunca tive tanto medo vendo um filme.
  Hoje eles gravariam cenas dos pássaros entrando no ânus das pessoas. Ou comendo seus miolos. Anestesiados por anos de violência televisiva, nossas reações estão cada dia mais enterradas. Em 1974 eu era uma corda de violino. O vento me fazia vibrar. Genial, Hitchcock lidava com nossas cordas usando dedos de solista.
  The Birds é um terrível pesadelo.