GODARD E SEU DESPREZO.

   Como disse em algum outro post, ando me livrando de bagagem. Objetos e também modos de pensar. DVDs são alvos simples e bastante simbólicos. São mais de 500 que já viraram pó.
  Então no começo de uma noite, resolvo dar uma chance para Godard e BB. Muitos críticos ainda tecem loas à este filme. Vamos ver...
  Uma câmera aponta para seu rosto, o rosto de voce, espectador. Isso após Godard recitar os créditos do filme. Em seguida temos a bunda de Brigitte Bardot. Ela pergunta para Michel Piccoli se sua derriére é bonita. Fritz Lang anda pela rua, Jack Palance é um produtor americano. Cartazes ao fundo, Hatari! de Howard Hawks, filme que Godard adora. Numa sala de edição, fala-se de Homero. Até aí são 20 minutos de filme. O que achei?
  Em 1963 havia surpresa em apontar a câmera para meus olhos. E era uma brincadeirinha de criança divertida o diretor recitar os nomes dos atores. Mas quando ele discursa sobre Homero a coisa fica chata demais. Vemos um intelectual se exibindo para um público, que por saber quem foi Homero, se acha mega especial. Godard é um adolescente. Masturbatoriamente, enamorado de seu ego, ele alegremente mostra que sabe muito, não nem aí pra nada, faz o que deseja. Seu público, ávido por se sentir adolescente e inteligente, usa seus filmes como diploma de superioridade mental. Hoje, em 2020, me dá nojo.
  Já tentei fazer videos e peças de teatro. E sei o quanto é árduo o trabalho de se criar personagens críveis. Nada em um filme é mais brilhante, e mais imune ao tempo, à ferrugem do tempo, que uma personagem viva, com respiração, ficcional e ao mesmo tempo real. Godard " genialmente" abre mão disso. Ele não cria personagens, ele fala "a verdade". Oh God. Nem vou falar de como me compliquei e entendi então como é difícil a arte de se inventar uma trama. Um gancho que nos faça amar o enredo, nos emocionar. O enredo de Godard é sempre seu cérebro. Ele não cria, discursa. E quem discursa é ele, somente ele. Único assunto: Eu.
  Se os filme de Kurosawa ou de Bergman sobrevivem melhor, isso se deve ao fato de que eles criaram personagens. Mesmo que esses personagens falem aquilo que o autor quer dizer, eles falam dentro de outras máscaras, e dentro de uma situação criada. Kurosawa usa reis, samurais e velhos pobres para falar; Bergman cria professores, crianças e adolescentes para exibir sua neurose. Acima de tudo eles narram uma história. Penso que Godard não sabe narrar. Então ele discursa.
  Todo discurso fica velho. Porque depois que sua mensagem é absorvida, tudo que resta são palavras. Uma boa história nunca fica velha. Porque ela se renova ao ser vista pela primeira vez por uma outra pessoa. Nós amamos histórias desde quando ficávamos à fogueira, em círculo, esperando o lobo ir embora. Um discurso é útil em seu momento. Depois morre e vira pó. Penso que o excesso de biografias feitas hoje revela a incapacidade de se criar personagens.
   O Desprezo já está no lixo.
   Nem o corpo de BB o salva.