EU E MARCEL

  Entre abril e agosto era sempre a mesma coisa. Exatamente às 18 horas a sinfonia de violinos mal afinados se instalava dentro do meu peito. Acordes agudos quando eu aspirava, acordes graves quando expirava. Franol e MM Expectorante. Algum psicólogo deveria escrever 3 volumes sobre o quanto a vida de um cara muda quando cresce com asma. Sua mente não relaxa! Voce se concentra em respirar toda noite o tempo todo. Fim de tarde vem o medo e a certeza, o ar vai faltar.
  Deitado na cama voce sente calor, frio, medo, ansiedade. O ar não entra e quando entra não sai.
  Marcel Proust viveu em um quarto com paredes de cortiça. Alérgico, ele ficou seus últimos anos sem sair desse quarto, escrevendo. As primeiras páginas de Em Busca falam de sua asma noturna. Não tenho medo de arriscar que o senso de observação de Proust nasceu em suas noites de vigília. Noites onde, eu sei, ficamos vigiando e observando o som de nossos pulmões e a evolução do ar dentro de nosso peito.
  Por outro lado...
  Que alegria quando volta a primavera e respiramos sem perceber. Voce, que teve a sorte de jamais saber o que é asma, não saberá o prazer que há na respiração, pura e simples, irrefletida. Não há prazer maior que o corpo vivendo sem esforço.