DOWN IN MONTEREY

  Assisti ontem de noite o festival de Monterey na companhia de uma menina de 20 anos. Ela adora rock e dentre seus favoritos estão The Doors, Slipknot e Arch Enemy. Ela também ouve POP coreano e ama Velhas Virgens e Massive Attack. Tem um monte de bandas de eletrônico satânico que ela escuta e ainda posso citar Bowie, Led Zeppelin, Muse e Franz Ferdinand entre suas paixões.
  Monterey é o festival feito perto de San Francisco, em junho de 1967. Foi o primeiro festival e é o antepassado do Rock in Rio, Lolla e de todo show ao ar livre com mais de 3 bandas. Eu já vi o documentário mais de 20 vezes, e fico curioso em saber o que uma menina como ela vai achar. Detalhe: ela não sente saudade de hippies. Na verdade ela odeia drogas. Vamos ao show...
  O documentário começa com Mamas and Papas e California Dreamin parece à ela algo tão antigo como Noel Rosa ou Gonzaguinha. Mas são as pessoas que lhe dão enjoo: são incrivelmente sujas. Faço-a ver o fascínio que há na não repetição de roupas. Em todo o doc não vemos duas pessoas vestidas de modo parecido. Há ali uma real diversidade que hoje só existe em slogans publicitários. Em um show atual todos se vestem iguais, são uniformes. Em Monterey há uma mistura de modelos, tecidos, cabelos, óculos que diverte e apaixona a visão. Ela entende. E percebe logo que cada um naquele evento é uma alma à procura de auto expressão. Dois anos mais tarde, em Woodstock, isso já se perdera. Em 1969 já há uma uniformidade de cabelos e roupas. Em 1967 ainda há individualidade.
  Simon e Garfunkel parece à minha amiga bossa nova. Violão e banquinho lhe dá asco e ela quase desiste. Mas Canned Heat é blues e ela ama blues. Logo saca que em 1967 dá ainda para fazer sucesso sendo feio. Canned Heat é a banda mais feia que ela já viu na vida.
  Country Joe and The Fish nos faz rir. É um som interessante, ao contrário do Jefferson Airplane, que lhe pareceu tão antigo quanto Roberto Carlos. Não que seja parecido, mas é antigo. Morto. Ela me pergunta se o rock naquela época era sempre assim: sem adrenalina. Falo pra ela esperar.
  Janis Joplin não lhe interessa. Ela diz que cantoras feias não lhe dão desejo de ouvir. Eis uma diferença de geração: Janis ou Patti Smith não têm chance com ela. Uma cantora tem de ser alguém com quem ela se identifica em alma e em corpo. Minha amiga é muito bonita. Janis não é do mundo dela. De qualquer modo ela fica impressionada com a voz. E vê nela o sinal da depressão, doença que ela conhece bem.
  Otis Redding é o melhor cantor da história. E ele está acompanhado por Cropper, Dunn e Jackson. Lhe conto que nosso amigo Fabio toca baixo imitando Duck Dunn. Ela ri. E acha Otis do caralho.
  Mas tudo muda com The Who. Peço para ela prestar atenção em Keith Moon e é paixão imediata. Ela é baterista e não acredita no que vê. Moon não existe! Como pode ele fazer aquilo? Eis a tal adrenalina. Ela mata a charada: é o único show que parece atemporal. Eles poderiam ser uma banda de agora. Não há elogio maior. The Who não faz parte daquele tempo. São fora de todo tempo. Vivem em um tempo próprio.
  Jimi Hendrix. Lhe conto que ele é sagitário. O cara mais sagitário da história. Ela não gosta da cara dele. É feio. Nem das roupas, são sujas. Mas caramba! Ele é sexy. Quase pornô. E não toca guitarra. Parece que a guitarra toca sozinha.
  Aconselho todo mundo a fazer isso. Ver um DVD de algum show antigo e querido com uma pessoa querida de 2020. Mal posso esperar para mostrar Gimme Shelter para ela.