MASSIVE ATTACK MEZZANINE, E CERTOS CLIMAS ANGÉLICOS

   Prove ouvir Mezzanine vendo na tela de sua TV o filme de Victor Sjostrom, A Carruagem Fantasma. O filme é silencioso, de 1920, sim, cem anos. Observe como voce terá a impressão de que o som dos Massive Attack foi escrito e pensado pra esse filme. Isso porque é a mesma sensibilidade que orquestra as duas obras:
  O inefável, pequenos ruídos que nascem e desaparecem, sombras que escondem algo que não pode ser visto. Não será. O disco, de fins do século XX, dialoga com o filme, do começo do mesmo século.
  Foi o século que cumpriu obediente tudo o que o século XIX queria: o espírito e suas coisas foram tiradas da luz e conduzidos à sombra. Lá ficaram, produzindo ecos e sombras.
  Todo o album bebe em Low, o famoso lado B de Bowie. Mas também é Kraftwerk. Trans Europe Express. E se mira em NEU! e mais algumas luzes obscuras e que pirilampam por aí. Foi um ápice soturno e que, para surpresa de todos, deu em nada. No século XXI, tempo histérico e que abomina o vazio e o silêncio, o Massive Attack não tem vez. Este século é iluminado, colorido, estridente, veloz, e absolutamente tolo. O som de Mezzanine flerta com o silêncio, o vazio e o vácuo. Tudo o que um cara de 2020 mais teme.
  Há uma profunda elegância neste album. O menos que é mais e um mais que sempre parece menos. Cada toque de percussão faz nossa cabeça tremer, mas essa cadência é incompleta. Cada uma de suas canções é vazia de conclusão. É um som que fica suspenso em suspense. Não é gótico, pois o gótico pesa como pedra, é antes uma sombra, ou a luz na tela de um filme silencioso. Leve como a alma de um inseto.
  Inertia Creeps sintetiza o disco.