Ele morou na Barra Funda. Numa pensão. Pegava bonde para ir ao cinema. Na sessão das 6, em salas da São João, Ipiranga, via os filmes de John Wayne, Gary Cooper, Rock Hudson e Gregory Peck. Trabalhava num bar. Cultivava um bigode e jamais saía de casa sem um paletó.
Antes disso ele morara em Santo Amaro. No tempo em que o bairro era feito por quarteirões de casas classe média e outras áreas de fábricas. Acordava às 4 e de carroça entregava pão e leite nas casas. Fazia quase sempre neblina e o cavalo trotava preguiçoso no calçamento de pedra. Ele tinha uma carta de condutor de animais. O leite, em garrafa de vidro, ficava na frente da casa, com os filões de pão embrulhados em papel claro.
Depois se mudara para cá, já casado, onde moraria com a irmã. Era uma casa entre morros de capim e mamona, a vista ia longe, quilômetros de distância. A oeste o Pico do Jaraguá e a sul as estradas para o Paraná e interior. O trabalho era distante, no Brooklyn.
Esse mundo morreu a muito tempo. Morreu nos anos 70, com as dinamites, as empresas de demolição, as avenidas largas e o metrô. Meu pai não reconheceria a cidade se estivesse vivo e pudesse andar por aí. Tenho certeza que odiaria aquilo que Pinheiros virou, mas talvez gostasse do Brooklyn e da Barra Funda de agora. Mais que a cidade, homens como meu pai não existem mais. Ou estão em vias de sumir. Homens com papel definido a cumprir, homens provedores, homens pai. Conheço dois ou três amigos que ainda seguem bravamente esse roteiro. Mas eles são questionados e se questionam todo o tempo. Pois nosso tempo tem a ilusão de que se pode viver sem um roteiro. Ignora que não ter um roteiro é um tipo de roteiro ( que já ficou velho aliás ).
Ao sair do cinema meu pai tinha a certeza de ser um cara legal. O Gary Cooper da avenida Ipiranga. E como ele, um monte de Garys Coopers voltavam para suas pensões com essa certeza. É um outro modo de ver o mundo. E por isso, era outro o mundo.
Antes disso ele morara em Santo Amaro. No tempo em que o bairro era feito por quarteirões de casas classe média e outras áreas de fábricas. Acordava às 4 e de carroça entregava pão e leite nas casas. Fazia quase sempre neblina e o cavalo trotava preguiçoso no calçamento de pedra. Ele tinha uma carta de condutor de animais. O leite, em garrafa de vidro, ficava na frente da casa, com os filões de pão embrulhados em papel claro.
Depois se mudara para cá, já casado, onde moraria com a irmã. Era uma casa entre morros de capim e mamona, a vista ia longe, quilômetros de distância. A oeste o Pico do Jaraguá e a sul as estradas para o Paraná e interior. O trabalho era distante, no Brooklyn.
Esse mundo morreu a muito tempo. Morreu nos anos 70, com as dinamites, as empresas de demolição, as avenidas largas e o metrô. Meu pai não reconheceria a cidade se estivesse vivo e pudesse andar por aí. Tenho certeza que odiaria aquilo que Pinheiros virou, mas talvez gostasse do Brooklyn e da Barra Funda de agora. Mais que a cidade, homens como meu pai não existem mais. Ou estão em vias de sumir. Homens com papel definido a cumprir, homens provedores, homens pai. Conheço dois ou três amigos que ainda seguem bravamente esse roteiro. Mas eles são questionados e se questionam todo o tempo. Pois nosso tempo tem a ilusão de que se pode viver sem um roteiro. Ignora que não ter um roteiro é um tipo de roteiro ( que já ficou velho aliás ).
Ao sair do cinema meu pai tinha a certeza de ser um cara legal. O Gary Cooper da avenida Ipiranga. E como ele, um monte de Garys Coopers voltavam para suas pensões com essa certeza. É um outro modo de ver o mundo. E por isso, era outro o mundo.