EDMUND BURKE, REDESCOBRINDO UM GÊNIO - RUSSELL KIRK

   Uma verdadeira democracia é aquela que une as vontades, sonhos e costumes, daqueles que vivem numa nação, mas também daqueles que viverão e viveram lá. Toda revolução tenta apagar o passado, destruir os costumes, refundar um país; e todo o futuro, nessas revoluções, é planejado não na experiência e sempre em ideias abstratas. A Europa é o resultado do trabalho, dos sonhos e das lutas de pessoas reais, e a história é a adaptação, através de erros e acertos, de pessoas com pessoas. Não há uma evolução histórica rumo ao melhor, o que há é um constante ir e vir, tentar e tentar de novo, avançar e recuar, acertar e desistir. Pensar a politica em termos filosóficos e abstratos é flertar sempre com o desastre, pois cada homem e cada evento não pode ser reduzido a uma tese ou a uma fórmula pré fixada. O reparo de injustiças se dá pelo respeito à lei, pela evolução lenta e segura, pelos hábitos consagrados.
  Esses são alguns dos pensamentos de Edmund Burke, advogado, pensador e politico irlandês do século XVIII. Contemporâneo de Rousseau e de Voltaire, ele os nega em quase tudo. Burke diz que foi o cristianismo que criou a Europa e que é ele que mantém a Europa unida, descrê da teoria de Rousseau,( que diz que o homem natural é bom, a sociedade é que o corrompe ), e prega a negociação, o ajuste, o escutar a experiência passada como única forma de evolução.
  Burke nasceu na Irlanda mas toda sua carreira foi feita em Londres. A vida pessoal dele não foi interessante. Casou, teve um filho, viveu confortavelmente porém com crises financeiras, morreu nem um pouco mais rico do que nasceu. Russell Kirk, o maior conservador americano, ele próprio um tipo de Kirk do século XX, se detém em suas ideias, seus feitos. Burke é considerado hoje um dos maiores oradores da história inglesa, o fundador dos modernos partidos trabalhista e conservador ( ele uniu credos desses dois partidos ), e dono da visão que salvou a Europa da loucura do jacobinismo.
  A primeira luta de Burke, no parlamento, foi na questão da independência americana. Ele via o novo país como um possível aliado da Inglaterra. Queria lhes dar um status de "território livre". Mas o rei, George III partiu para o confronto. Foi a primeira das várias derrotas de Burke.
  Em seguida houve a questão da Irlanda. Burke queria emancipar os católicos, permitir que fossem eleitores e candidatos. Perdeu de novo. E ele, que era protestante, passou a ser visto como um tipo de papista-jesuíta.
  Depois procurou botar na prisão o governador inglês da India. Demonstrou a corrupção que lá havia. Mas perdeu o julgamento.
  Por fim, sua grande luta final foi contra a Revolução Francesa. Burke foi o homem que previu a ascensão do terror e depois da ditadura. Previu até o bonapartismo. Poucos o escutaram e a Inglaterra só percebeu o perigo no último instante. Burke morre no fim de seu século achando que os revolucionários chegariam à Inglaterra. Nunca chegaram. Graças a ele.
  Burke notou que na Inglaterra nunca houve uma revolução. Que a tal "revolução" gloriosa, de 1688, foi na verdade um movimento que evitou uma revolução. Em 1688 se criou o parlamento para se evitar um massacre. No século do iluminismo, o seu, Burke logo percebeu que o filósofo via a politica como coisa abstrata, como elementos de um jogo matemático, onde as pessoas eram apenas um detalhe e não algo a ser considerado.
  Burke notava que a Inglaterra e os nascentes EUA tinham em comum a aversão a revoluções. Isso porque ambos tinham um enorme amor pelo seu passado, pelos costumes e hábitos populares. Ao criar o conservadorismo, Burke criou a teoria de que o que "é bom deve ser preservado, o que é ruim, melhorado". ( Russell Kirk diz que os EUA nunca se desintegraram no individualismo porque a religião os une sempre. )
  Burke perdeu em suas causas, mas ao perder foi criando toda uma herança de seguidores que fariam justiça a seu nome. Foi ele quem deu as bases para os partidos modernos ( Burke conseguiu, e isso foi uma vitória em vida, fazer vencer a ideia, então nova, de que o partido deveria ter mais força que o homem eleito. ) E foi Edmund Burke também quem criou, com Tocqueville, as linhas gerais do que seria o conservadorismo e o liberalismo. ( O liberal pensa em termos de novo e obsoleto. O conservador em termos de valor e de tradição que venceu o tempo ).
  " O homem, enquanto indivíduo, é limitado pelo tempo. Por mais genial que ele seja, sua curta vida o impede de conhecer muito e de conhecer bem. Portanto devemos ter em vista a experiência da história, o depósito de conhecimento de todos os que vieram antes. A crença, o costume, o bem que se mantém por séculos é melhor e mais certo que a teoria de um simples filósofo."
  Para Burke era a religião um dos conhecimentos mais perenes. E instituições como a família jamais poderiam ser destruídas, pois sua destruição seria o fim da civilização. Burke notou ainda que os "novos filósofos" usariam a sedução da "liberdade total" para seduzir os jovens, liberdade ilusória, pois a única liberdade possível é aquela que institui a lei para a preservar. O pensamento de Burke é o do "mal menor", ou seja, usar a lei para garantir a liberdade, e usar a liberdade para vencer a tirania. A liberdade dentro dos limites da bondade, dos costumes, "daquilo que sempre foi e que precisa continuar sendo".
  Um livro, longo, com montes de artigos acessórios de pensadores atuais, excelente.
  Escrevo agora um PS: Nascido no Brasil, um país onde tudo é preto ou branco, cresci com nojo da palavra conservador. Para mim, conservador era um velho com mal humor e prisão de ventre. Pois aqui, após a ditadura militar, TUDO o que não fosse esquerda seria muito velho e muito ruim. Tolo preconceito...Eu, que sempre amei o que já é conhecido, consagrado, o que venceu o tempo, sempre tive um temperamento conservador, desconfiado de novidades, modas, reformas apressadas, revoluções eufóricas.
  Demorou, mas achei minha turma.