DO OSSO AO PÓ - JULIO MENEZES. AFINAL, QUEM FOI VOCE...

   O nome do cara é Eduardo Conde. E ele cheira muito pó. Nas brumas netunianas dos anos 80, ele tem uma pizzaria que nunca quis ter, se sente o cara mais mal amado do mundo, vende cocaína, torra dinheiro e come algumas mulheres. Mas não as ama. Eduardo é um dinossauro. Machista doidão, nada fofo, um tipo de homem que em 2017 só existe em faces enrugadas. Eduardo acha que ama Aninha. Mas é aí que a porca torce o rabo...Aninha, para mim, leitor, é Eduardo. Ele se ama através dela. A menina osso.
  Julio Menezes é meu amigo desde 1985. Eu sei do que ele fala. É claro que Eduardo não é ele. O livro é 90% ficção. Mas a vida é foda. Explico mais.
  Julio é de escorpião. E o livro é o mundo mítico de escorpião jogado em nossa cara. Mortes, muitas, drogas, muitas, desespero, muito, força, muita, sorte, bastante, violência, não assumida, sonho de amor, teimosia, insistência, egoísmo, e uma estranha mística da inocência. Na capa a editora botou que o livro faz parte do mundo de Bukowski e de Pedro Juan Gutierrez. Que nada! Julio escreve como um Raymond Chandler cheio de pó. Um Marlowe que perdeu o rumo e transa suas personagens. O livro é sórdido. Ele fede. E isso é proposital.  Gutierrez e Bukowski, me desculpem os fãs, são bem mais simples. Julio é quase barroco.
  Amizade é foda. Nunca em minha vida falei para Julio que em 1980, julho, me transferi para o Objetivo. E que lá me apaixonei por uma menina chamada Aninha. E mais, que no dia em que Lennon morreu eu estava no pico dessa paixão. Coisas de se viver no mesmo círculo, amizade é compartilhar o mesmo inconsciente. No livro Eduardo e Aninha vivem isso, que eu vivi na mesma data com a minha Aninha, real. E fui também com ela ao FICO, fui ao show do Queen e estive no Van Halen. O mundo é pequeno e SP sempre foi um buraco. Quanto ao Diógenes...esse nome ele conheceu na vida real, e deve ter ficado em algum canto guardado. Mas nada tem a ver o Diógenes real com o do livro... ( Julio, torce pra Jane não o ler ! Não sei se foi por querer, mas Jane é ela... ).
  Li o livro em dois dias. E notei que o retrato que ele faz da década de 80 não é aquela que eu faço. E sei porque. Julio mergulhou na década, entrou no inferno, botou sua carne na grelha e mandou girar. Eu fiquei na porta, olhei, senti o cheiro do queimado, mas não entrei na casa do fogo eterno. As lembranças que ele tem, coisas como o Ritz, o Satã e gente como Akira S., Arrigo e JR Duran, são duca. Eu gargalhei com certas cenas deste livro. Ri alto. Julio pega a cara magra de uma época de muito ridículo e pouco sorriso e a esfrega no papel. 
  Amigo, fico feliz em perceber que gostei do livro. Ele é forte. Pesado. Uma tijolada. Viagem de pó. Lembrei de Paul Bowles. E de Malcolm Lowry. Ele nos dá vertigem.
  Fico feliz também por ver que meu estilo de escrita é completamente diferente do seu. Diferente. Talvez menos forte. Talvez até pior por ser menos claro. Se um dia eu publicar, ninguém vai poder dizer que te copio. Isso é bom. Nadamos em raias distintas.
  O livro tem uma cena que me tocou mais que qualquer outra, e essa cena não foi a morte do vira lata não. O dia em dezembro em que Eduardo e Aninha vêm as notas no pátio do Objetivo...Caralho Julio! Naquele mesmo dia eu vivi aquilo com a Aninha!!!! A diferença é que em meu caso foi ela que me deu uma gelada bem discreta. Porra, essa cena ficou linda! ...Aliás...voce notou que o cara acaba comendo todas as mulheres! É um azarado sortudo, ou é aquilo que ele pensa: A gente só vê a coisa boa quando se sente bem...Estando mal tudo parece mal...Mesmo quando a menina mais bonita da praia quer casar com a gente...
 Terminando: Quando li seu primeiro livro pedi uma continuação. Agora peço outra coisa. Escreve sobre a infância. Escreve sobre a vida de um menino de 10 anos, 9 anos, nos anos 70, em Higienópolis e na Bahia.
 PS: O nome do punk!!! Hilário!
 PS2: Se voce quer entender os anos 80, olhe para nosso amigo que morreu a um ano. A extrema passividade do Giba. É aquilo. Os anos 80 pediram ação. Muita ação. E nossa reação sempre foi entediada. Éramos como fidalgos. Evitávamos o excesso de realidade.
 Abraço.