AS VANTAGENS DO PESSIMISMO - ROGER SCRUTON

   Tive aulas sobre Rousseau na USP. E por ser uma professora de exatas, tive a chance de não ser colocado sob o endeusamento da teoria do "bom selvagem". Segundo Rousseau, todo homem é por natureza bom e pacífico, a sociedade, vil, é que o corrompe. Scruton, esperto, diz não saber se o homem Rousseau era um otimista. Parece que não. Mas essa teoria deu estatuto à uma ideia que não morreu em dois séculos, a ideia de que todos são bons, a sociedade é que nos faz ruins. Esse, para Scruton, é o otimismo nocivo, aquele que deu vez ao nazismo, ao fascismo e ao comunismo.
  Sob esse pensamento, simplório, pode-se concluir que se a tal sociedade faz tanto mal ao bom homem, que se destrua então a sociedade. O fim da sociedade daria vez à bondade na Terra. Eis a UTOPIA. A crença de que neste mundo se pode ter a perfeição. Seja via seleção genética, ódio ao estrangeiro, ódio aos que possuem bens, ódio aos infiéis. Toda utopia tem em seu oposto um foco de ressentimento, um culpado a ser exterminado. E esse crime é alegremente aceito, pois decapitações, campos de concentração ou fuzilamentos são cometidos em nome do bem maior: a Utopia.
  Não se pode criticar a Utopia. Ela é perfeita, pois vive no mundo das ideias. Um socialista te dirá que a URSS não era socialista, que Cuba foi maculada pelos EUA ou que a Coreia do Norte é um segredo. Sua crença sempre estará salva pois ela não existe. E na verdade nunca poderá existir. É da natureza da utopia ser sempre um sonho. É a cenoura na frente do cavalo. O capitalismo é facilmente criticável por nunca ter sido utopia de ninguém, ele nasce já como prática, e por ser real, é falho, sujo e corrupto. O capitalismo é uma realidade.
  Na raiz de toda utopia há essa crença de Rousseau. O homem bom, camarada, companheiro. E, na vida real, é claro que esse homem não existe. Quem observa uma criança brincando sabe que há nela um egoísmo nato, um desejo em se destacar, em ser mais amado, mais percebido, mais protegido. O mesmo vale ao selvagem aborígene. Não há sociedade primitiva que não faça guerra, não mate, não lute por mais terra. Mais caça e mais mulheres. Somos assim. A utopia ODEIA nossa natureza.
  Scruton diz que na verdade é a sociedade que melhora o homem. A manutenção do costume, da lei, do interesse comum, do bom senso, faz do homem um ser melhor. Pois na sociedade há a prevalência do NÓS e não do EU. A sociedade só funciona na relação do eu com voce. Cada um em sua função, em seu papel, não sendo igual, pois a igualdade só existe como Utopia, mas tendo seu devido RESPEITO.
  A análise de Scruton sobre os fundamentalistas árabes é certeira. O que eles mais odeiam nos EUA é o fato de que lá judeus e islamitas vivem lado a lado. Isso vai contra toda sua utopia. É inaceitável. Um escândalo.
  Admirável livro de um grande pensador.
  Voce pode estar pensando: mas Scruton defende o cristianismo, essa grande utopia.
  Sim, Deus pode ser uma utopia, mas essa utopia aceita a imperfeição da vida, vê os defeitos do homem como indivíduo, prega uma prática diária. É uma utopia do aqui e agora, uma utopia que existe para quem crê, existe no mundo real. Os cristãos não esperam a construção de um outro mundo, isso seria heresia, eles aceitam este pobre mundo doente, e dentro dele tentam fazer o bem. Ao contrário dos utópicos, os meios são tudo que importa. O dia a dia é o objetivo.
  Um obrigatório autor.