Minha relação com a igreja começa já estranha desde cedo. Meus pais não eram casados no religioso e portanto achavam que entrar numa igreja, "solteiros", seria uma afronta à religião. Mas me faziam ir à igreja, aos domingos, com minha tia e meus primos. O que lembro dessa época é o calor, a igreja lotada, pernas de homens de pé, paletós e mulheres com véu. A igreja era a de Santo Antônio, no Caxingui, e a família toda sempre estava lá. Menos meus pais. O Caxingui era um bairro de casas grandes e chácaras, havia um sentimento de pioneirismo. Comunidade. Na calçada, na saída do culto, uma pequena multidão dava abraços e beijos e partia para o almoço do domingo.
Eu não entendia absolutamente nada.
Meu quarto era um horror. Quase uma cela da inquisição. Minha mãe o enchera de santos nas paredes. Havia um Cristo com o peito aberto, o coração vermelho exposto, sorrindo; havia uma Nossa Senhora em um altar de gesso, uma lâmpada vermelha acesa noite e dia iluminando sua figura azul. Eu sentia medo. Um medo inconfessável. A luz vermelha me apavorava.
Fiz a primeira comunhão, fiz a crisma. Gostava do cheiro da Bíblia nova. Gostei de ser o leitor do versículo lá no altar. Mais nada. Um incômodo me cutucava. Eu não conseguia amar à Deus. Mal pensava nessas questões.
Descobri a morte aos 12 anos, tive minha crise de finitude aos 16, e meu consolo não havia. Por mais que minha mãe falasse de Deus, eu sabia que Deus era somente um consolo para os fracos. E eu era forte. Havia lido Nietzsche. Era socialista. Sabia que a vida era um nada. Lera Sartre.
Entrei em contato com Freud, e assim sabia o que nós éramos: apenas um ser que deseja. Me acostumei com esse modo de viver. Sentia superioridade perante os bobos. Eu era racional.
Mas... eu queria crer em amor. Não para crer em Deus, não para vencer a morte, mas para ser feliz. Queria crer que o amor não era apenas vontade de procriar. Tinha de ser mais que isso.
...
O tempo passa então. Décadas. E me encontro numa certa idade. Impossível precisar. E nada tenho para contar. O que devo dizer é que passei para o outro lado. E fazendo isso não me sinto mais feliz, e continuo temendo a morte como sempre temi. O que mudou em mim então que me faz ver a vida sob outro ponto de vista...
Não tive nenhuma experiência de quase morte. Não tenho nenhum amigo, namorada, parente, professor ou guru que me falem de religião. De concreto houve a morte de meu pai, brigado comigo. Mas antes de sua morte, oito anos atrás, eu já vinha num caminho que, lento e constante, só tem se tornado cada vez mais claro.
Eu questiono. Eu me sinto fora de lugar. E ao mesmo tempo sinto fazer parte de algo. Mas jamais fui tão só. Sozinho e sendo parte.
Continuo longe de Deus. Não sinto amor. Mas ao mesmo tempo sinto um profundo compromisso com a vida, com este mundo, com a continuidade. E sinto, profundamente, o quanto toda verdade não mora na razão.
Caminho. Apenas isso, caminho uma estrada que não escolhi, vivo uma vida que não construí e sinto uma vontade da qual não dependo para ser. Vejo a vida como um dom. Tento a namorar.
Eu não entendia absolutamente nada.
Meu quarto era um horror. Quase uma cela da inquisição. Minha mãe o enchera de santos nas paredes. Havia um Cristo com o peito aberto, o coração vermelho exposto, sorrindo; havia uma Nossa Senhora em um altar de gesso, uma lâmpada vermelha acesa noite e dia iluminando sua figura azul. Eu sentia medo. Um medo inconfessável. A luz vermelha me apavorava.
Fiz a primeira comunhão, fiz a crisma. Gostava do cheiro da Bíblia nova. Gostei de ser o leitor do versículo lá no altar. Mais nada. Um incômodo me cutucava. Eu não conseguia amar à Deus. Mal pensava nessas questões.
Descobri a morte aos 12 anos, tive minha crise de finitude aos 16, e meu consolo não havia. Por mais que minha mãe falasse de Deus, eu sabia que Deus era somente um consolo para os fracos. E eu era forte. Havia lido Nietzsche. Era socialista. Sabia que a vida era um nada. Lera Sartre.
Entrei em contato com Freud, e assim sabia o que nós éramos: apenas um ser que deseja. Me acostumei com esse modo de viver. Sentia superioridade perante os bobos. Eu era racional.
Mas... eu queria crer em amor. Não para crer em Deus, não para vencer a morte, mas para ser feliz. Queria crer que o amor não era apenas vontade de procriar. Tinha de ser mais que isso.
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O tempo passa então. Décadas. E me encontro numa certa idade. Impossível precisar. E nada tenho para contar. O que devo dizer é que passei para o outro lado. E fazendo isso não me sinto mais feliz, e continuo temendo a morte como sempre temi. O que mudou em mim então que me faz ver a vida sob outro ponto de vista...
Não tive nenhuma experiência de quase morte. Não tenho nenhum amigo, namorada, parente, professor ou guru que me falem de religião. De concreto houve a morte de meu pai, brigado comigo. Mas antes de sua morte, oito anos atrás, eu já vinha num caminho que, lento e constante, só tem se tornado cada vez mais claro.
Eu questiono. Eu me sinto fora de lugar. E ao mesmo tempo sinto fazer parte de algo. Mas jamais fui tão só. Sozinho e sendo parte.
Continuo longe de Deus. Não sinto amor. Mas ao mesmo tempo sinto um profundo compromisso com a vida, com este mundo, com a continuidade. E sinto, profundamente, o quanto toda verdade não mora na razão.
Caminho. Apenas isso, caminho uma estrada que não escolhi, vivo uma vida que não construí e sinto uma vontade da qual não dependo para ser. Vejo a vida como um dom. Tento a namorar.