BACH HOJE.

   Bach faz aniversário hoje. Ele é tão antigo que agora parece um ET.
   Certas características do homem Bach nos são incompreensíveis. Podemos nos esforçar e as aceitar. Podemos, eu sou desses, as admirar. Mas seu modo de ver e de viver nos é tão distante como seria a vida de um plutoniano.
   Ele não vivia para os homens. Não pensava em seu tempo. E não fazia arte.
   Sua música era um trabalho. Ele tinha de justificar sua vida e sua vida era trabalho. Tinha uma habilidade, a de compor, e por isso compunha. Uma nova partitura por dia. Ele se via como um bom sapateiro.
   Seu tempo era a eternidade. Lhe era natural saber que sua vida começara antes e que sua morte não seria seu fim. Qualquer outro modo de pensar seria impossível para ele. Desse modo, "perder" um dia ou "ganhar o dia" era-lhe indiferente. Ser jovem ou velho, viver ou desperdiçar a vida, nada disso lhe era conhecido. O tédio não havia sido inventado.
  Por fim, em vista da eternidade, ele compunha para Deus e só para Deus. Isso o mais difícil de entendermos. Podemos experimentar a criação para Deus como vaidade ou como sarcasmo, mas a humilde oferenda nos é estranha.
  Todo artista vaidoso cria para a eternidade. Bach criava para Deus. É um universo diferente. Ele cria e dá, quem faz não é ele, é o dom dado por Deus. Quando Bach compõe ele devolve a Deus o que é Dele.
  A música de Bach, às vezes estranhamente fria, abstrata, foi criada nesse mundo.
  Nunca poderemos a compreender. Mas somos livres para a amar.