OS GUINLE. A HISTÓRIA DE UMA DINASTIA. CLÓVIS BULCÃO.

   Uma família francesa imigra no meio do século XIX para o Uruguai. Fogem de lá quando uma revolução acontece, o Rio é seu destino. Lá se faz um armarinho no centro e desse comércio vem o progresso. A história é fascinante.
  O patriarca diversifica os negócios e nessa caminhada a família molda a cidade do Rio de Janeiro. O Parque Guinle, a avenida Rio Branco, Copacabana, Teresópolis, todos esses lugares foram descobertos, desenvolvidos, batizados pelos Guinle. Cada filho do patriarca indo para uma direção.
  A base da fortuna veio do Porto de Santos. Foi o primeiro Guinle, Eduardo, o homem que tocou a reforma do porto e da cidade de Santos. O lugar, apenas lodo e lixo, foi urbanizado, limpo, desenvolvido pela família. Em troca, 20% de todo o dinheiro movimentado no local seria da família. Durante 90 anos! Essa a garantia, o lastro da fortuna. Daí nasceram o Banco Boavista, o Jockey Club da Lagoa ( lugar sem valor que os Guinle valorizaram ), a Granja Comary em Teresópolis, o Estádio do Fluminense, nas Laranjeiras, o Copacabana Palace, na praia deserta de então, a PUC do Rio, e ainda hospitais, edifícios no centro do Rio e em Santos, mansões em Paris, São Paulo, Petrópolis. Os Guinle deram à capital do Brasil seu caráter chique, fino, enchendo as avenidas de construções de refinado gosto. Gosto que era reflexo da educação em casa. A família presava jantares longos, pratas e cristais, luvas brancas, roupas para a noite e roupas para o dia.
  Aconteceram erros também. Um dos irmãos faliu construindo uma mansão. Ela hoje é a sede do governo do Rio. Feita com materiais importados ( até o cimento vinha da Inglaterra ), ela consumiu toda a herança de um dos sete filhos da primeira geração. Outro erro foi a briga com a Light. Os Guinle tiveram a ideia de iluminar, levar luz a todo o estado do Rio. Mas trombou de frente com o grupo do Canadá. Usinas hidrelétricas, redes de captação, tudo foi perdido. Mas de qualquer modo se manteve a rede da Bahia.
  Culturalmente foram os filhos que ajudaram a transformar o futebol em moda ( um deles foi presidente do Fluminense e trouxe o Sul-Americano de 1919 para as Laranjeiras, primeiro título da seleção e febre no país desde então ). Patrocinaram Pixinguinha, Villa-Lobos, e transformaram o carnaval naquilo que ele é hoje: a grande atração turística do país. A marca da família se faz presente em coisas, costumes que ainda hoje prosseguem, fizeram a corrida automobilística que lançou as bases do amor brasileiro aos carros ( Circuito da Gávea ), construíram a primeira rodovia moderna do país ( a Rio- Teresópolis ), e com o Copa colocaram a hotelaria nacional no primeiro mundo. ( Eram 3 funcionários para cada cliente ).
  O mais fascinante é ler sobre seu cotidiano. O apartamento tríplex com 12 quartos de empregados, a mansão em Higienópolis com serraria e casas de reparos, o palácio em Botafogo, as 3 horas gastas toda manhã para se vestir ( com a ajuda de um valet ).
  O Brasil possuiu no começo do século XX famílias como os Matarazzo, os Marinho, os Prado. Mas nenhuma foi tão observada, invejada e nenhuma teve tanto acesso ao poder, fosse Nilo Peçanha, fosse Getúlio. Quando a capital foi para Brasilia eles não entenderam que o Brasil mudava. O regime militar via a família com rancor, como algo antigo, aristocrático, incômodo. Logo perderam Santos, o banco Boavista, terrenos, casas. Um tempo se ia. Melhor ou pior, impossível saber.
  Incrível perceber como alguém tipo Eike Batista tentou repetir os mesmos passos. Intervir na cidade, negociar com o governo. A diferença maior, entre tantas, é o tempo. O império dos Guinle durou exatos 90 anos. Eike mal chegou a 9.