A TORRE COLORIDA

   Estou lendo o livro de memórias de Jung. Deve ser meu sétimo ou oitavo livro do guru. Jung tem o poder de me liberar. Apesar do capítulo 3 me ter incomodado muito, onde ele fala das doenças de seus pacientes, o livro possui maravilhosas coincidências com minhas próprias experiências. Jung me convence porque o que ele viu foi visto por mim também. Antes de o conhecer. Bem antes. Ele valida as impressões que senti e as dores que não compreendi.
  Mas não estou escrevendo isto como comentário à obra. Quero apenas falar com você e com meu amigo Léo. O capítulo onde Jung descreve sua casa foi escrito especialmente para pessoas como Léo. Basta dizer que Jung construiu ao fim da vida uma Torre de Pedra. Com as próprias mãos. E que essa torre não tinha eletricidade ou água encanada. Tinha fogo, lampiões e um poço. Ele gostava de pensar que um antepassado seu, se lá surgisse, se sentiria em casa dentro daquela casa. A torre era o ambiente onde Jung era livre para ser ele. Onde seu eu número dois podia existir.
  Ele fala da necessidade de termos um canto só nosso. Onde ninguém pode entrar. Onde tudo é eu. Ele pintou as paredes com símbolos. Fez objetos. E ouviu o silêncio que dizia.
 Eu tive dois cantos meus. E faz vinte anos que os perdi. O primeiro foi o porão da casa onde nasci. Cheio de teias, insetos, trapos, móveis velhos, rachaduras e vidros quebrados. E o segundo foi meu quarto número dois. O "quarto da bagunça". Onde ninguém entrava. Onde rabisquei peixes, plantas e sóis nas paredes. Onde eu cantava, dançava, pulava, gritava e dormia com meus cães. Foi minha torre. Minha Torre Colorida.