Uma aula que consegue unir rigor a bom humor, informação e domínio daquilo que se diz. A professora Andréa Daher veio especialmente do Rio para cinco horas de prazer cerebral. É muito bom observar o modo como ela conduz a sala inteira para os lugares e conhecimentos desejados. Segredo do grande mestre, fazer com que os ouvintes sintam o desejo de saber que ela sentiu desde muito antes.
O tema poderia ser árido, e é, mas a voz leve e clara e o rosto de atriz, expressivo, levam as horas a parecer minutos. O tema é o modo como os textos eram escritos e divulgados no século XVI, textos escritos sobre a Terra de Santa Cruz, vulgarmente chamada de Brasil, textos escritos por portugueses e por franceses, documentos de jesuítas e de capuchinhos, o modo como eles pensavam, o que sentiam, como a Europa nos percebia.
A professora Daher, pesquisando na França, onde viveu décadas, mostra gravuras e textos de franceses que levaram tupinambás para Paris. Índios brasileiros, cruzando o oceano e aportando na Europa, conhecendo o rei Luis, aprendendo modos franceses, usando roupas complicadas, sendo exibidos em palácios. Tudo isso com o fim de provar que Tupinambás tinham uma alma e que por terem alma podiam ser civilizados.
Montaigne não concordava com isso, mas Rousseau, séculos depois, usará esses brasileiros para criar o tal do bom selvagem. O Brasil não nasce aí. Não nasce com esses frades franceses, huguenotes, ou com os jesuítas. Daher fala que a história é feita por dinheiro e escrita, pelas letras. A Itália existia antes de Dante, mas é a Comédia Divina que a faz tomar consciência de si e começar a se historiar. É sempre uma escrita que inscreve o país ao mundo. Nos EUA foi a constituição, na Inglaterra foi Bacon e na Espanha o Quixote. E nós?
O Brasil começa se ver como um país apenas no século XVIII. O parto durou três séculos, três longos séculos em que este espaço era uma terra `a procura de quem a amasse. De quem a tomasse nas mãos como nação e não como passagem. Três séculos em que aqui era um caminho, um meio e jamais um fim. O fim era Lisboa, o fim era Paris.
Em sua aula, que engloba o time do Flamengo, os paulistas, monstros em São Vicente e a beleza da imaginação, ela consegue nos passar seu amor as letras, a palavra dita, impressa, cantada, pensada, levada. O amor ao livro velho, ao texto esquecido, raro, perdido, incompleto.
A vida é imaginação. A vida é ficção. Texto, e todo texto é imaginação.
PS: Já no pós aula ela lembra que nos anos 80, nessas listas mentirosas de livros mais lidos ( mentirosa porque não há como saber se eles foram realmente lidos ), no Rio o mais lido foi durante meses o Ulysses, de James Joyce. Livro segundo ela ilegível. Como isso então? Bem, ela lembra que nos anos 80, época de pose, era chique ir à praia com um livro debaixo do braço. Milan Kundera era Ok, Umberto Eco, legal, Joyce era o máximo!
Risos? Sim, risos, mas isso demonstra o poder que um livro tem mesmo entre aqueles que não o abrem.
Aplausos.
O tema poderia ser árido, e é, mas a voz leve e clara e o rosto de atriz, expressivo, levam as horas a parecer minutos. O tema é o modo como os textos eram escritos e divulgados no século XVI, textos escritos sobre a Terra de Santa Cruz, vulgarmente chamada de Brasil, textos escritos por portugueses e por franceses, documentos de jesuítas e de capuchinhos, o modo como eles pensavam, o que sentiam, como a Europa nos percebia.
A professora Daher, pesquisando na França, onde viveu décadas, mostra gravuras e textos de franceses que levaram tupinambás para Paris. Índios brasileiros, cruzando o oceano e aportando na Europa, conhecendo o rei Luis, aprendendo modos franceses, usando roupas complicadas, sendo exibidos em palácios. Tudo isso com o fim de provar que Tupinambás tinham uma alma e que por terem alma podiam ser civilizados.
Montaigne não concordava com isso, mas Rousseau, séculos depois, usará esses brasileiros para criar o tal do bom selvagem. O Brasil não nasce aí. Não nasce com esses frades franceses, huguenotes, ou com os jesuítas. Daher fala que a história é feita por dinheiro e escrita, pelas letras. A Itália existia antes de Dante, mas é a Comédia Divina que a faz tomar consciência de si e começar a se historiar. É sempre uma escrita que inscreve o país ao mundo. Nos EUA foi a constituição, na Inglaterra foi Bacon e na Espanha o Quixote. E nós?
O Brasil começa se ver como um país apenas no século XVIII. O parto durou três séculos, três longos séculos em que este espaço era uma terra `a procura de quem a amasse. De quem a tomasse nas mãos como nação e não como passagem. Três séculos em que aqui era um caminho, um meio e jamais um fim. O fim era Lisboa, o fim era Paris.
Em sua aula, que engloba o time do Flamengo, os paulistas, monstros em São Vicente e a beleza da imaginação, ela consegue nos passar seu amor as letras, a palavra dita, impressa, cantada, pensada, levada. O amor ao livro velho, ao texto esquecido, raro, perdido, incompleto.
A vida é imaginação. A vida é ficção. Texto, e todo texto é imaginação.
PS: Já no pós aula ela lembra que nos anos 80, nessas listas mentirosas de livros mais lidos ( mentirosa porque não há como saber se eles foram realmente lidos ), no Rio o mais lido foi durante meses o Ulysses, de James Joyce. Livro segundo ela ilegível. Como isso então? Bem, ela lembra que nos anos 80, época de pose, era chique ir à praia com um livro debaixo do braço. Milan Kundera era Ok, Umberto Eco, legal, Joyce era o máximo!
Risos? Sim, risos, mas isso demonstra o poder que um livro tem mesmo entre aqueles que não o abrem.
Aplausos.