UMA AULA DE PAUL VALÉRY

   Valéry em aula na USP. Finalmente uma boa aula! O poeta tenta explicar o que é a poesia. Para isso ele usa o método de Bergson, ou seja, analisa a si-mesmo, sua carne viva. Isso porque se ele ler e analisar os outros ele estará entrando no erro da ciência, irá estudar uma coisa morta, separada de seu funcionamento, de seu agora. Olhando para dentro de si, Valéry pode tentar ver como se processa a coisa, tentar capturá-la em ação.
  A poesia surge como Perturbação. Ela desce sobre a alma e perturba o funcionamento das coisas. Primeira sacada genial de Valéry: As palavras ditas em prosa são como ruídos. Mal as escutamos e mesmo assim as obedecemos. A prosa faz as coisas funcionarem em sua certa expectativa. Uma palavra traz uma ação. Óbvia. No poema a palavra, que na prosa nasce e morre após ser escutada, aspira a viver. Uma palavra é investida de duração ( outro termo de Bergson ). Cada som é uma frase inteira e seu sentido nunca é esgotado.
  Valéry continua e conta que toda poesia é música. Ele anda pela rua e súbito sente uma perturbação. Tenta traduzir essa sensação em poema. Usa sua técnica para tentar dizer aquilo que parece indizível. Tenta ser músico sem instrumentos, sem cantar, sem som, escrevendo. Daí vem mais uma afirmação de gênio: Poesia é sempre impossível, pois, como disse Nietzsche, ao falar sobre um sentimento o matamos. Mas Valéry vai além, tentamos eternizar um momento, e nesse tentar o perdemos. Cabe ao leitor então, buscar rememorar aquilo que ele, o leitor, NÃO viveu. É aquele que lê que pode, e só ele, colher a dádiva da poesia. Chegamos ao paradoxo, o leitor é mais poeta que aquele que escreve, pois o leitor pode viver o escrito como coisa nova, viva, em movimento. O poeta não, pois ele sentiu e sabe da infidelidade cometida com a sensação.
  A mais bela das frases de Valéry é aquela em que ele diz que o poema é como um grão de sal, que cairá sobre a alma daquele que já tem grãos como esse dentro de si, mas que não sabe tê-los desde sempre. O sal do poema ao cair sobre esse leitor, dá começo a uma evolução dentro do leitor. Ele como que se lembra de algo que nunca viu. Ele reconhece no poema o poema que nunca escreveu. A perturbação do poeta perturba o leitor que tinha dentro de si a perturbação em potencia. Isso a poesia.
  O poeta nada mais é que o agente que leva esse grão àquele que sempre o esperou sem assim o saber.
  Bonito? Mais que isso. Poder.