A VIDA ROEU A CORDA E CORREU, MANOEL FOI ATRÁS DELA.

   De primeira vez a gente vê. O tecido claro da janela por onde o sol entra. E o friso de madeira que enquadra o alto da parede. Azul claro. E a brisa bailarina. As coisas voam e a gente voa junto. Folhas. A couve se erguendo da terra, elegante. Alfaces deitando. As penas das galinhas. Flutuam. As unhas garras ciscam na terra e o bico bica. Coelhos saltam. Eu coelheio com eles. Parreiras se esgueiram como cobras. Cobra verde que se parreira entre as folhas verdurosas. Bananeiras conversando com o fim de tarde. Poço. 
   Minhocas saltando dentro dos papos dos patos. Ratinhos de orelhas borrachudas. Gatos chatos. Os canários soltam luz pelo bico. Meu pai beija os canários. Um pai que beija passarinhos. Nuvens sonhando com a noite. A fogueira protesta calorando nossa cara. O universo espia o limoeiro e mamão. Mãe que espalha lençóis brancos sobre o gramado. O universo é todo meu.
   Teia de aranha na janela quebrada. Fendas nas paredes falam de outro mundo. O chão frio chama. As coisas pedem. Elas pedem que eu lhes dê vida. E eu respondo brincando.
   Manoel de Barros sabia bem mais que eu. Mas eu sei o que ele mais sabia que eu. A vida brinca e ela é nos dois, sete anos. Depois a gente brinca com as palavras. E elas serão vivas enquanto a gente lembrar dos dois e sete anos. Porque é assim que a gente respira. 
  Manoel agora é chão. E evapora. Daqui a pouco vai estar na boca das rãs. E na urina dos sapos. Ele deixa as palavras e volta a ser poesia. Eu sei mas não falo não.