MAcCARTNEY, O PRIMEIRO DISCO DE PAUL.

Quando a crise se instala voce tem opções. Ou voce parte para o grito e começa a destruir, ou voce se recolhe e tenta recomeçar do nada. Paul escolheu a segunda opção. Foi sábio. John levou cinco anos para conseguir se recolher e colar os pedaços. Este disco, o primeiro disco solo do Beatle ingênuo, foi sua volta ao lar. Um lar estranho, porque não ficava em Liverpool, ficava no campo, longe de tudo, longe de quase todos. Ele se cercou de Linda, da filha, de bichos e de Martha. E meio sem querer gravou este álbum. Em casa. Nele Paul toca todos os instrumentos. Se revela bom nos teclados e na guitarra. Excelente baixista. E um baterista muito ruim. Mas é o disco de um homem perto dos 30 anos, dizendo adeus a sua adolescência e falando do que restou. Pouca coisa. O bastante.
Na época a crítica malhou muito esse disco. Era 1970, tempo de radicalismo. E de discos maravilhosamente complexos. De barulho. E de violões amargos. E vem Paul com um disco quase sem letras e falando de guarda-chuvas, óculos e garotos bons. Houve apressadinhos que falaram que a verdade se revelava, os Beatles eram John e George, Paul se escorava nos dois. A resposta de Paul foi o silêncio. Ele nunca atacou. Esperou.
Ouvindo hoje o disco é de uma pureza angélica. Poderia ter sido a ótima continuação ao genial Abbey Road. Com uma pitada de John, a guitarra de George e uma produção mais ambiciosa seria grande. Mas não é. Ele é apenas sincero. Paul vai para o campo. E se cura olhando a chuva. Cuidando dos bichos. E criando a filha. 
Se voce nunca ouviu este disco vai estranhar. Ele é pobre, pobre, pobre. Escute a segunda vez. Vai achar calmo, simples, limpo. E com mais uma semana voce vai sentir que ele é especial. Um cara fala com voce. Um cara exibe sua rotina para voce. E isso é um presente. Seu. O melhor dos Beatles era isso: eles pareciam estar com voce. A seu lado. E te fazendo sempre bem. Paul manteve isso. Os outros não.
As faixas são quase vinhetas. Algumas instrumentais. As letras têm quatro ou cinco frases, apenas. E todas as músicas parecem rascunhos. E são. As agressões de John devem ter doído muito. Sua resposta foi cantar. E nunca sobre John.
That Would Be Something é delicada. Junk é maravilhosa.Man We Was Lonely é bacana. Teddy Boy é bonitinha. Maybe I`M Amazed é famosa. O conjunto é o segredo. 
Lembro que a MTV tinha um programa estupendo chamado Acústico MTV. Vi coisas inesquecíveis. RAP acústico, Rod Stewart renascendo, Chris Isaak me conquistando e muito mais. E Paul acústico. Lá ele tocou 4 faixas deste disco. Foi lindo. Foi simples. E foi perfeito. Isso é Paul. O cara que podia ter pirado como John, virado um bicho como Michael Jackson ou se destruído como Elvis. Mas não. Ele escolheu a familia. E quando Linda se foi, escolheu o palco. Um iluminado.