COPAS

   A tabela da Copa de 1970, dos cigarros Continental. Crianças, como eu, gostam do som das palavras e não do que elas significam. Assim como amam as cores e não o desenho. São duas sensibilidades que os artistas preservam e que os adultos perdem. Naquela tabela da Copa eu amava as palavras Bélgica e Suécia. Ficava fascinado com esses dois nomes. Essa a mais antiga lembrança de Copa que tenho.
   Então ela começou, e me recordo de que na TV em P/B, eu torcia por Pelé e não pelo Brasil. Estou no tapete em frente a TV e meus pais estão no sofá, atrás de mim. Lembro de meu pai falar após o gol dos tchecos: -Pronto! Acabou! Mas não acabou não papai! Jair marcou e eu recordo muito bem do momento em que vi esse gol. A luz clara da sala, os gritos nos vizinhos, minha mãe contente.
   Depois lembro do jogo com o Perú, visto na casa de minha madrinha, cheia de sol, no Brooklyn. E da final, num domingo quente. Jogaram espaguette na fachada da casa de um italiano.
   E o que mais me tocou foi uma festa junina feita no quintal de casa. A fogueira, o churrasco, o quentão, balões e meu pai na sala vendo Alemanha e Itália, o tal jogo do século. Eu ia espiar e voltava pro quintal. Picos de felicidade que só crianças podem ter. Porque eu ainda não sabia do tempo, da morte, das partidas e da injustiça.
   Salto para 1974 e o mundo é outro. Eu sou outro. 1974 é gibi. Homem Aranha e Superman. 1974 é rádio. E a copa. Lembro de uma repetição: Meu pai vê na sala Alemanha e Suécia, talvez o mais emocionante jogo daquela copa. Eu não. Eu corro no quintal com meu irmão. A gente jogava bola. Na chuva era melhor. Frio pacas! E a final, vista sem entender nada, uma sensação de que fora feita uma injustiça. Palavra nova que eu comecei a entender via futebol.
   1978 foi detestável ! O primeiro jogo vi na diretoria da escola. E a lembrança depois é da raiva de ver a Argentina ser conduzida ao título.
   E veio 1982. A mais bela das Copas. Não só pelo drama brasileiro, não só pela morte de uma era de modo de se ver o jogo, mas pelo sol da Espanha, por ser uma Copa com cara de férias, de Ibiza, de laranjas doces, de gente com cara de praia nos estádios. Foi linda.
  E daí pra frente já sou eu. E se sou eu as lembranças se fazem cotidianas, nitidas demais, sem mitologia.
  E voce como eu, sabe que sem mitologia o esporte vira apenas jogo. E nada mais.