MAIO, 29, NASCI

  Nasci a uma da manhã. Isso não fez de mim um boêmio pois eu sempre amei o sol. No entanto minha mãe conta que fazia muito frio. E que vim para casa enrolado em cobertores, numa tarde em que garoava e logo escurecia. Posso imaginar o táxi subindo a rua Progredior e me deixando na casa onde fui morar. Rua de paralelepipedos, escorregadia, o carro era um DKW, fazendo o ronco de duas marchas desses carros que se pareciam com tartarugas mal humoradas. Senti então o frio de outono pela primeira vez. Na ponta do nariz. E em meio as familiares vozes de meus pais pude perceber o som do mato que se movia no vento das cinco horas.
  Passaram algumas décadas e eu continuo achando que a vida se revela na garoa de tardes frias e que o mato dança em finais de dias escuros. Não existem mais DKWs e a maternidade de Pinheiros sumiu. A rua Progredior hoje se chama José Janarelli. Mas a casa onde vivi está de pé, igualzinha, e minha mãe permanece em minha vida. Ela conta que eu não dava trabalho nenhum, raramente chorava e dormia o dia inteiro. Talvez eu preferisse sonhar. Talvez eu já sentisse saudades antes mesmo de viver. Mamava muito e logo abriria os olhos e descobriria meu maior amor: as cores, o brilho da luz. No rádio tocava Mellow Yellow.
  É uma hora de mais um dia 29 de maio. Meu pai se foi, meu bairro mudou, meus sonhos se apagaram e minha voz desafinou. Mas ainda existe a cor e o mato dança. E mais uma vez tudo me fala e encanta.
  Vida, valeu.