UMA FOTO, O AMOR ( O QUE É ) E O TEMPO ( QUE NUNCA PASSA E NUNCA VAI )

   Então foi verdade...
  A foto está aí. Eu, com cinco anos, entre meus primos. Ao fundo tem o hospital, que ainda existe, e mais nada. A esquerda de quem olha a foto se percebe a avenida Paulista. Que fica dez quilômetros além. O alto do Conjunto Nacional e o relógio. No fim da tarde eu olhava as horas por ele.
  É verdade. Existia mesmo esse espaço livre de ruas de barro e terrenos sem dono. Era um mato civilizado. Mato ralo, cortado, limpo. Poucas árvores e muita mamona. Uma imensidão cruzada por córregos com peixes e bilhões de sapos. Cobras sempre possíveis e ratões gigantes. Cigarras. Gafanhotos. Borboletas e abelhas. 
  O céu era grande. E esse ambiente é minha ideia de Paraíso. Não era perfeito. Eu tinha noites terríveis de asma solitária. Vivia a frustração de ter um pai severo, frio. E minha mãe nunca foi carinhosa. E ouvia frases vagas, frases que falavam de um casal que não se dava e de dinheiro que diminuía. 
  Mas o espaço livre compensava tudo. E meus primos que eu adorava. Cantava nas ruas, dormia na relva, ficava horas namorando o céu. E tinha uma sensação de que a aventura era eminente. Eu a sentia em cada moita de capim alto e em toda esquina vazia.
  O sonho podia crescer. Eu ia junto.
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  O amor tenta unir nosso corpo, sedento de carne, com nossa alma, sedenta de sonho. E nunca tente encontrar razão no amor. Não há. E se houver não é amor, é conveniência, amizade ou desistência.
  Porque Eros nos faz loucos. 
  Ela nada tinha a ver comigo. E mesmo assim fui dirigido a ela. Dirigido, pois no amor não somos donos de nós. Somos um outro que é mais eu que todo eu antes fora. E vou à ela como quem deve ir. Quero e não sei. Ou sei e não quero.
  Confio.
  E ela se revela o que eu não pensei que fosse. Ela se encaixa em mim. Mas Eros, deus que leva os partidos a se fazerem um inteiro, sabia desde sempre. Eros sabia aquilo que minha razão não suspeitava. Que ela era a metade perdida. Completude.
  E perdemos o senso. Andamos pelas ruas de madrugada. Ruas escuras, vazias, perigosas. E dormimos na rua sem saber o que possa ser. Porque esperamos pela hora sagrada. Ficamos perdidos na rua para ver o nascimento das estrelas e o apogeu da Lua. E assitimos abraçados a obra que não se repete. ( Só aqueles que não amam pensam que todo amanhecer é igual ). 
 No caminho um sapo cruzou a rua. Na volta um gato branco passou tranquilo. Ela confunde árvores com igrejas. 
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  Eu andava tonto pelas mesmas ruas. Ontem, muito ontem. Mas esse ontem é agora hoje. E amanhã. Escrevi em tempos idos aquilo que seria o caminho. Adentrar o amor é penetrar o caminho. Tive espaço para conhecer e tempo para ver. 
  E como eu sempre soube, era verdade. Sempre a verdade.