A MORTE DO LEÃO ( HISTÓRIAS DE ARTISTAS E ESCRITORES ), HENRY JAMES

   Toda grande literatura ambiciona ser música. Ou pintura. Porque pintura é arte. O pintor tem uma presença aristocrática, em arte, seja bem dito, que a literatura não tem. O literato trabalha a palavra, e a palavra é a mais limitada das ferramentas artísticas. Por ser a mais presa a razão, por dever contas a regra da gramática e do costume. A palavra depende de se conhecer a lingua. A palavra tem código e assim dito, ser artista radical em letras é coisa muito mais estranha que em som ou imagem. Estranha por ser inabitual. Por não ser realmente livre, por estar presa a regras fixas, escrever de modo criativo é sempre sentir o limite da palavra e sofrer a dor da inveja em relação ao mais nobre pintor e o mais livre músico.
  Como posso escrever sobre Henry James ? Ele é o mais perfeito artista da prosa dos últimos cento e cinquenta anos. Talvez apenas Proust lhe seja próximo. James consegue unir forma a conteúdo fazendo assim do texto, arte. Não há uma palavra que lá não esteja como peça importante, nó que faz parte de uma tapeçaria. Ele dá forma enquanto compõe, conta enquanto arquiteta. Parágrafo ou capítulo, tudo tem uma função específica, a de transmitir mensagem estética. Ler Henry James é uma viagem estética que nos faz um outro. Ele aumenta nosso patamar. Faz nosso gosto melhor e nosso padrão mais exigente. Ele diferencia o leitor banal do leitor concentrado. A recompensa flui na própria leitura.
  Em tradução sublime de Paulo Henriques Brito, este livro da Companhia das Letras apresenta cinco contos escritos entre 1888 e 1896.
  A Lição do Mestre conta a história de um jovem que em sua admiração por um escritor mais velho é usado por esse escritor. Cheio da mais fina ironia, uma ironia que congela e nunca é grosseira ( como se a verdadeira ironia pudesse ser grossa ), o conto, perfeito em forma e em invenção, nos arrepia. A forma como o jovem é feito de tolo nos revolta. É uma obra-prima.
  A Coisa Autêntica é pura melancolia. Um casal de nobres falidos vai a um pintor pedir emprego. Querem ser modelos. Mas o que acontece é que eles não conseguem posar como nada mais que Eles Mesmos. Um italiano pobre consegue posar como um nobre herói, os nobres verdadeiros não. O conto, tristíssimo, fala sobre a imagem, a falsidade do que vemos e a mudança de parâmetro do mundo. James não lamenta o fim da aristocracia, ele exibe seu ridiculo, mas também teme a ascensão do comum e do banal.
  Greviile Fane é o conto menos ótimo. É sobre uma velha autora de best-sellers que é explorada por filhos snobs. O filho tem vergonha da literatura pobre da mãe, que os fez ricos, pensa ele ser um grande autor, mas na verdade nada escreve e vive de explorar a velha senhora.
  A Morte do Leão é o melhor dos contos. Um autor é descoberto pela fama aos 50 anos. Envolvido por damas ricas, jornalistas e festas sem fim, ele cessa sua carreira e acaba sem chance de se desenvolver como artista. O conto, cheio de humor feroz, é uma obra de arte perfeita. Humilha aquele que tenta escrever bem.
  O Desenho do Tapete conta a saga de um jovem que tenta desvendar o sentido da obra de um grande escritor. Dizem que James sentia a frustração de não ser bem lido. Ele temia nunca ser entendido. O conto, música abstrata, exemplifica isso. O final, ácido, é um tapa em nosso rosto.
  Lidos os cinco contos fica uma vontade de ler mais. Henry James vicia.