FIM DO ROMANCE?

   A revolução industrial nasce e com ela nasce o romance como o conhecemos. Não a toa ele nasce na Inglaterra. Sim, voce pode dizer que Dom Quixote ou Gargântua já seriam romances, mas não. São prosa romanesca, não tratam de lugares e de gente pretensamente reais. Porque o romance tenta, mesmo quando alegórico, falar do mundo do aqui e do agora. E dá aos personagens uma identidade, os faz ser Moll Flanders ou Tom Jones, e não Pantagruel ou Quixote. Mas porque?
   O fim de uma civilização agrária, de um estilo de vida de mais de 2000 anos fez com que fosse preciso fixar de alguma forma a vida que se fazia volátil. O homem passou a tentar entender aquilo que não mais era reconhecível, a vida e si-mesmo. Antes do romance o tema era religioso ou politico, agora, com o romance, é existencial. Se olha para dentro de cada individuo. Isso era inédito. Shakespeare havia antecipado isso já em 1600, mas era teatro e era um semi-deus.
   Pois bem. A VEJA em sua edição histórica, fala de uma capa que a TIME deu para Johnathan Frazen. Que isso causou estranheza, não por Frazen, que é ótimo, não merecer uma capa, mas sim por ele ser um escritor. Porque escritores, hoje, são irrelevantes. Se em 1982, uma capa da TIME para John Updike era óbvia e bem comemorada, hoje uma capa para Frazen nada diz. Porque?
   A revista dá uma explicação que nada explica. Fala da internet mas e daí??
   O fato é que hoje ninguém mais, ou quase ninguém, está interessado em análise. Vivemos a nova época, tempo de diversão. De certo modo nos acostumamos, a duras penas, ao mundo da velocidade e da efemeridade, e o que tentamos é não pensar, exatamente o oposto do que todo romance propõe.
   Lembro que em 1985, por exemplo, Drummond, Garcia Marquez ou Borges eram semi-deuses. Oráculos da verdade e guias de pensamento. Mais que isso, em outros campos o mesmo ocorria. Kurosawa ou Lennon, Bowie ou Bergman, todos eram capa de Times eternas. Mais ainda, todo mundo ia a gurús ou psicólogos não para ser feliz ou para perder o medo de elevador, mas para se encontrar, para se conhecer. Quantos clientes de terapeutas hoje os procuram para entender quem eles são?
   As pessoas não querem mais entrar dentro de si e ver o que acontece, o movimento hoje é oposto, ir para fora e se conectar a tudo que acontece agora, neste exato instante. Onde o romance se encaixa nisso?
   Que fique claro, quando falo de gente em 1985 que se guiava por Borges, não falo de estudantes de letras ou de filósofos, falo do leitor médio. E quando falo de gente querendo se achar, não falo de gente com grilos na cuca, falo de adultos com poder aquisitivo para isso. Gente dita normal.
   Romances dão trabalho. Nossa cultura é do não-esforço. Da diversão simples, da sensação. Nossa sede de narrativa, de histórias é genética. Ela sempre viverá. Precisamos de contos, de sagas. Era assim em Creta, em Bizâncio ou na China de 3000 a/c. Mas o romance não. O livro ao estilo Flaubert, ou Joyce, ou Heminguay, London, Hammett, De Lillo, esse tem apenas 250 anos mais ou menos. É fruto de uma sociedade em transição, assustada e perdida. Do tempo do trabalho duro. Da busca de sentido. Da ansiedade.
   Nosso tempo varia entre depressão e hiper-atividade. Livros precisam ser úteis e divertidos. Ter um porque, um sentido. Onde o romance?