MISSA DE SÉTIMO DIA ( TEXTO ESCRITO EM 2008 E READAPTADO EM 2013 )

   Na primeira fila, lá adiante, vejo três pessoas. Apesar de cercadas por uma pequena multidão de amigos, e de estarem recebendo toda a companhia que carne e alma podem oferecer, essas três pessoas estão sós. E sabendo de sua condição solitária elas se agarram uma a outra. E eu. descobrindo aquilo que me nego saber, posso apenas observar. É na morte que a vida mostra sua verdade. Nesse momento os que aqui ficam exibem para si-mesmos a sua verdadeira alma. O que é importante prevalece.
   Nada em nosso mundo medíocre existe para essa hora. Químicos, físicos, mercadores ou arquitetos nada sabem falar sobre a morte. A ignoram ou tecem comentários frívolos que nada dizem e nada ajudam. Sobre uma caixa de cebolas chamada vaidade, bradam com sua inteligência masturbatória que a morte é isso ou seja aquilo. Pensam ser coragem o que nada mais é que exibicionismo e narcisismo. Falam como crianças e nunca encaram a dor. Não vivem a simpatia e a compaixão. Para aqueles três lá adiante, unidos em sua dor, voces nada têm a dizer. Na verdade nem sabem sobre o que estou a falar.
   A religião é um consolo e esse consolar é uma verdade. A fé é a única coisa que pode diminuir a solidão daqueles três diante de mim e de todos presentes. A presença minha e dos outros nada significa se não for o testemunho de uma outra presença. Ele, que se foi cedo, aqui permanece. Essa certeza nos une. O mundo lá fora nos separa.
   Há aqui e agora uma leveza que nasce dessa dor que tudo coloca na verdade. Porque nesta sala tudo o que é transitório se exclui. Vaidades ou medos, distrações ou sonhos tolos, tudo é descolorido nesta hora. A vida se mostra, e ela é aqueles três que se unem. Quando a filha lê sua mensagem toda sua vida se desenrola. Ela é, mais que nunca, aquela que lá está. Sua dor nos une. Mas ela está sózinha.
   Eu sou um homem antigo. A velocidade da vida para mim é desconhecida. Não sou ambicioso, sou preguiçoso. E como tudo o que é antigo, desconheço o tempo. Revendo os que revejo percebo que nem um só minuto passou. Sou um homem medieval. As pessoas são sagradas e os sentimentos atemporais.
   Posso ver as almas de quem lá esteve. Posso as ver porque quero vê-las. E esse poder confirma sua veracidade. Fora de lá o mundo parece infantil. Crianças presunçosas brincando de desvendar enigmas que já foram desvendados desde sempre.
    Ele morreu. E sua morte abre portas para aqueles que com ele tiveram comunidade. E fecha possibilidades também. Como homem medieval eu desconheço a morte como fim. Leio em sua dor a continuação de uma narrativa. Leio na morte dele a abertura de outro livro. É preciso sofrer para poder ser feliz e é preciso morrer para se descobrir a vida.
    Saio para a noite e estou inteiro. As asas, minhas, se abrem e posso voar outra vez. Na comunidade da misericórdia, na união pelo amor, na certeza do que é certo, todos podem abri-las.
    Torço por todos voces.
    Meu barco singra por aqui...