EU SOU UM PÁSSARO DODÔ

   No século XVIII marinheiros acabaram com todos os pássaros Dodos. Como jamais haviam sido caçados, eles ficavam parados, não se defendiam, e assim eram mortos a pauladas. Nunca mais veremos um Dodo. Eles eram grandes. O comérico marítimo foi a novidade que extinguiu esses pássaros. Comércio global e pássaros Dodos não podiam viver num mesmo planeta.
    Gente também entra em extinção. E não falo apenas de tribos que viam espíritos ou de nações que não percebiam perigos. Pessoas ocidentais, de grandes cidades, desaparecem a toda hora. Eu por exemplo.
     Algumas pessoas de minha geração são dos últimos espécimes que ainda insistem em ver sentido nas coisas. Nosso modo de pensar é todo construído de forma linear. Começo, meio e fim. Somos da Era do romance e a vida para nós é escrita, tem um enredo. Mesmo que essa história seja absurda, seja irônica ou simbólica, ela tem sentido e cabe a nós o desvendar. Uma vida é uma narração. Cômica, trágica ou poética.
    Minha espécie cobra sentido de tudo. E mesmo quando não cremos na razão, cobramos um sentido exotérico. Não haver sentido é pensar em sentido sem-sentido. Sentido aleatório ainda é sentido. Eu falo. Eu conto. E vejo a vida como fato cheio de personagens. Mas sei que me unirei aos Dodos, aos Tylacinos, aos Tigres.
    Meu trabalho me obriga a conviver com jovens de 11 a 22 anos. E como os vejo como seres cheios de sentido, procuro os conhecer. Falo com todos. Me comunico e percebo que eles são de outro mundo. Seus atos são flashs que não fazem parte de algo linear. Eles pensam em termos de agora. Não existe uma certeza em relação ao futuro e muito menos uma consciência de passado. O que se faz aqui e agora é ato isolado. Muito mais livres que eu e meus iguais, os atos deles não apresentam consequência. A ação existe como ação e não como narração.
   Ninguém está preocupado com os personagens da vida, com a busca pelo enredo. Pelo significado. É um mundo que desconhece filosofia e religião ( mas ama o imediatismo de igrejas e soluções mágicas ). O eterno aqui e já. Como num PC, voce acessa conteúdos simultãneos, não lê linearmente.
   Amizade existe como momento. Assim como o amor deixa de ser uma história a ser recontada e passa a ser uma sensação a ser usufruída. Filmes passam a ser pura sensação, busca não de enredo mas sim uma desenfreada busca pela emoção mais forte. Esses novos humanos não toleram ter de ver ou ouvir uma história, eles querem e só compreendem o imediatismo da sensação objetiva e pronta.
   Sensação objetiva e pronta? Ora, acabo de descrever o mundo da droga. A droga está em casa aqui. Não a droga alucinógena, a droga que é uma narrativa enviesada, mas sim a droga sensacional, a droga do prazer, a droga que nada narra. O puro estar bem aqui e agora.
    Minha espécie precisa contar histórias. Sem as sagas e as narrativas, sem contarmos nossa história para nós mesmos, inexiste vida. A vida para nós é o ato de contar a vida.
    A nova espécie sente. Viver é sentir a vida. Momento por momento, um de cada vez e todos ao mesmo tempo. O antes morreu, o depois nunca nasce. Já.
    Espero pela minha paulada.