POLIEDRO- MURILO MENDES

   Murilo Mendes é meu poeta brasileiro. Estou lendo sua obra em prosa. Mas a questão é: ele escreve prosa? Poliedro é verso? No livro ele descreve seres e coisas. Laranja, Bicho Preguiça. Uma Girafa. Tomate. E vai por aí.... Lembro criança. Sim, criança. Criança vê naturalmente e sem esforço o que o poeta vê aqui, em Poliedro. Eu fui criança bem criança e sei que é assim. O Limão é O Limão, único entre limões. E a gente o vê como aquilo que ele é: Coisa única e particular entre coisas que são todas únicas. A gente só coloca Tudo num lugar comum quando se cansa de ver e começa a ficar Velho. Enquanto o Olho é novo tudo é novo.
   Poliedro então voce lê vendo. Porque lendo voce olha as letras e vê nas palavras aquilo que está sendo visto por aquele que escreve. E fala. É prosa? Como pode ser prosa se a gente sente o cheiro das coisas e se cada palavra é investida de Vida? 
   Tem outros livros de Murilo aqui. Um é sobre lugares da Europa. Outro só para a Espanha. E um outro para a Itália. Ele viveu lá. E conheceu De Chirico, Arp, Moravia, Cocteau, Miró. 
   Murilo Mendes me pega porque ler Murilo é comer palavras. Elas surgem redondas e deslizam goela adentro. São ácidas, são doces, gordurosas ou refrescantes. Sempre frutas. Às vezes peixe. Nunca flores. Cozinheiro ele as prepara em caldeirão. Borbulham ao fogo da mente mineira. O aroma se espalha por montanhas e se deixa levar pelo vento. 
   Aqui no Caxingui eu as recolho. E engulo. E essas palavras-condimentos, que em outras cozinhas eram comida fria e esquecida, aqui nos Poliedros são novidades frescas das hortas e fazendas de Murilo Mendes. 
   Dizem os sábios que um dia, quando o homem era jovem ( agora somos velhos ), as palavras tinham essa força. Pouco usadas, ainda cantadas, elas eram veneradas por seu poder de trazer à mente-vida as coisas ausentes. Jogo de memória, feitiço, a palavra pedra fazia com que a pedra voltasse a sua presença anterior. Mas então a palavra desgastou-se e a pedra falada se fez apenas um som indistinto, pálida lembrança da lembrança de uma tradução do que fora um dia A Pedra. Pois Murilo faz da pedra vulgar de cada dia a Pedra original e jovem de tempos nunca perdidos. Com a voz e com a escrita ele dá vida.
   Poliedro é maternidade de sentidos.