O ARCO E A LIRA- OCTÁVIO PAZ, O SIGNIFICADO DA VIDA

   Paz fala do que seria a poesia. Mas ao falar de poesia ele fala do poético. E poético é arte poética mas principalmente vida não racional. A vida é apenas razão? Se fosse apenas isso a Suécia seria o paraíso na Terra. Basta voce ver um filme suéco. Não é um paraíso. É um buraco. A Suécia exemplifica a armadilha da razão: A falta de sentido. É estranho isso! Sem a boa compreensão das forças irracionais, sem a sabedoria de se unir a razão à irrazão, o que resta na vida é o não-sentido. Psiquiatras agradecem. 
   Nosso mundo irracional tem três grandes forças: Amor, Religião e Poesia. Nada há de racional em nenhuma das três, e todas nascem da mesma fonte. A tragédia da modernidade é a de tentar eliminar ou racionalizar as três irrazões. O amor racional não pode ser amor. Se torna tédio, comodismo ou pior, sexo sem compromisso. A religião domesticada se faz politica. Pior que isso, uma farsa. A poesia racional anda em circulos. O poeta, envergonhado de sua irrazão, de sua "tolice", passa a vida analisando a poesia. Procura se justificar. Tenta fazer poesia util, verdadeira, científica. Se perde.
   Porque existem essas irrazões? A pergunta é outra: Porque existe a razão? O que ela nos dá de realmente feliz? Vida sem transformação não é vida. A vida é um tentar ser alguma coisa maior. Vivemos para tentar viver. Somos um nada a procura de Ser. Isso é o que nos define: Um ser em construção. Construção que nunca poderá terminar, se definir, ter um alvo. A razão não suporta indefinições. Ela precisa de clareza, de certezas. Uma pessoa muito racional ao se deparar com o incerto opta até mesmo pela morte. Ela não aceita o "não tem porque e não há explicação". O estado de desequilíbrio lhe e´insuportável por colocar em cheque suas crenças. A crença única no porque, na clara EXPLICAÇÃO. Causa e efeito, fora disso, a morte.
   No amor não existe causa e efeito. Como não há na religião ou na poesia. Porque? Não sei. Como? Não importa. No reino dessas verdades a única coisa que vale é a experiência transcendental, o "É". Para a razão é incompreensível. Logo, inexistente.
   A poesia luta por fazer a palavra voltar a ter sentido. Tenta, e muitas vezes consegue, fazer da palavra uma nova vida. Dar cor, sabor às palavras. Trazer o insuspeito à vida, já que vida é texto. A poesia tem o compromisso de tirar do leitor a certeza, fermentar dúvida, crise, fazê-lo caminhar. A grande poesia nos esvazia e em seguida nos prepara. Faz com que sejamos mais "eu mesmo". Um eu que logo se desvanece. Transcende. 
   Poesia contra técnica.
   Na técnica a palavra, como a vida, é humilhada. Assim como na prosa. O material vira uma coisa só. Perde sua pluralidade natural. Se torna útil. Assim, madeira é parte da árvore. Madeira será cadeira, porta ou lenha. E estará presa apenas a isso. Para sempre. No mundo poético, madeira pode ser um ser vivo. Ou uma canção. Madeira pode ser uma cor. Pode ser uma pista. Um enigma. Veja: Na vida da técnica, o homem é um bicho que pensa. Teia de células e de desejo, ele crescerá, decairá e morrerá. No universo poético o homem é um zilhão de possibilidades. De filho de deuses a vilão diabólico, de nada absoluto a louco vadio, de robot danado a estrela cadente, na poesia o homem é livre, é irrespondível e indefinido. Para sempre.
   Dante Alighieri era livre. Recebia inspiração e a traduzia em palavras. Nada fazia com que ele duvidasse dela. Aceito por todos, o poeta era um cidadão "útil", o homem que eternizava o momento, que cantava a vida. A partir da tomada de poder burguesa os valores se invertem. O burguês despreza o aristocrata. Vê neles o supra-sumo da inutilidade. Aristocratas não trabalham, não produzem riqueza, não suam e labutam no dia a dia. Pior, aristocratas vêem no burguês um tolo, um feio, um absurdo. Poetas são aristocratas. Poetas acreditam em destino, em inspiração. Poetas desprezam o tempo, o lugar, a produção contada e pesada. No mundo do valor que se vende, poetas são párias, vagabundos, inuteis. 
   Baudelaire é um maldito então. Onde Dante era um privilegiado, Shelley ou Rimbaud são bandidos. O poeta passa a brigar com sua inspiração. Tenta torná-la razão, fazer dela coisa util, coisa chã. Analisa a poesia, analisa seu ato, passa a chamar sua arte de TRABALHO. Nasce a bobagem de "90% transpiração"... Tudo para tentar ser aceito pelo burguês, pelo mundo da técnica, da venda, o mundo sem religião ( com igrejas ), e sem amor ( com sexo ). No lugar da poesia, prosa, muita prosa.
   A questão do livro é: Vale a pena viver sem o Sobrenatural? Um mundo feito apenas de razão, vale a pena? Paz nunca é ingênuo. Ele sabe que jamais voltaremos ao mundo de Dante. O Sobrenatural era um fato tão corriqueiro quanto respirar ou comer. Hoje precisamos lutar para fazê-lo existir. Se precisamos pensar e lembrar do Sobrenatural, isso mostra que ele não é mais cotidiano, foi banido e exilado. ( Tentamos lembrar dele em drogas, filmes fantásticos, aventuras arriscadas, visões do espaço mais distante ). Mas a questão é: Valeu a pena renegar o Sobrenatural?
   O que de maior e melhor pode ser obtido pela técnica e pela razão? Fácil responder: a vida eterna. Apaixonada por si-mesma, pelo EU, o único sonho da razão é não deixar de existir. Todo o desenvolvimento da técnica se reduz a isso, vencer a morte. A razão tem como único fim a sobrevivência de si-mesma. Pois a razão se volta "para dentro", conhece apenas aquilo que reflete o seu próprio ser. 
   O que existe de mais negativo para o eu-mesmo que o amor? Que a religião? Ou a poesia? 
   No amor nos damos ao outro e nos sacrificamos por ele. Na religião admitimos nada ser, nada poder e nada saber. E na poesia nos perdemos em simbolos, visões e sensações, saímos de dentro de nós e nos misturamos ao todo. Saiba ( E sei por experiência própria, sou hiper centrado ), a razão abomina se dar, ser humilde ou se deixar perder.
   Sempre desconfiei de pessoas que não toleram poesia. Este livro, magnífico, mostra porque.