APÓS PENSAR, ESCREVO SOBRE O PAPA BENTO

   Como diz o novo filme de PT Anderson ( filme cheio de pontos ruins e de algumas boas ideias ), todos precisam de uma força superior, de um mestre. Esse mestre pode ser uma besta, um idiota, um mentiroso ou uma alma realmente superior. Mesmo voce, inteligentinho-livre e esclarecido, mesmo voce tem seu mestre. Pode ser Bill Gates, Lenine, Darwin, Bob Marley ou Maradona. Pode ser Freud, Jung, Paulo Coelho ou Chico Buarque. Buda, Maomé ou Jesus Cristo. Não importa. De Hitler a Luther King, todos precisam crer num guia, numa inteligência superior. Mas é claro que existem os hiper-individualistas. Esses crêem em si-mesmos e só. Pobres tolos, carregam o peso de uma vaidade mortal e uma solidão asfixiante.
   O catolicismo foi o pai e a mãe de todos os ismos. Assim como acontece com o darwinismo, freudianismo, comunismo ou liberalismo, o catolicismo pretendeu explicar o mundo numa única verdade. E nessa explicação teve a certeza de que conseguiria unir todo o planeta numa liderança centralizada. Pois observe que todo ismo tem essa fé. A certeza de que sua crença é uma verdade, a única, e de que todos que dela não compartilham estão perdidos em ignorância. Well...todos os ismos são falíveis, inclusive o ismo original. Afinal, todos os Papas, sejam Bento, Mussolini, Lacan ou Marx são humanos. Erram.
   Mesmo no auge de seu poder, 1500, talvez 1400, a igreja romana não conseguiu seu intento, nunca foi universal. Ela dominava 3/4 da Europa e só. O mundo era na maioria pagão, judeu e muçulmano. E então, exatamente como acontece com todos os outros ismos, sua cabeça-durice e sua cobiça destruíram sua chance de crescimento. Imoralidades, recusa em dialogar, arrogância e vaidade, a igreja romana se viu em xeque. Lutero surge.
   Para os muitos que falam de religião sem nada saber dela, Lutero fez algo que hoje parece simples, mas que na época foi espantoso. Ele pegou a Bíblia e a leu. Sem a intermediação de um padre. Nesse ato ele tirava de Roma a exclusividade sobre Cristo e dava a todos os fiéis o acesso a Deus. A ideia era ótima, mas Lutero, Calvino, John Smith eram todos humanos. Erraram também. Não previram que alguns esquisitões iriam ler a Biblia, criar sua própria versão simbólica e arrebanhar aqueles que como todos nós, precisam de orientação. Jamais uma pessoa com um mínimo de inteligência poderá condenar alguém por procurar "uma luz", uma ajuda, uma fé. O que se deve apontar é a qualidade dessa luz. A conta que se paga.
   O catolicismo está condenado. Ele é suave demais, frouxo, sem força. Diante do pragmatismo dos evangélicos e da força dos islâmicos ( não falo em força como violência, falo em decisão ), católicos sempre parecem perdidos. A ruína do papado nasce na própria filosofia católica, aberta a dúvidas, a indagações e a heresias. O catolicismo se perdeu por ser uma religião democrática ( ao contrário do que acham os ateus ). Ela pede para que não se use camisinha ou se faça sexo gay, mas a séculos não excomunga ninguém por isso. A igreja se submeteu a vontade da maioria. Abriu concessões.
   Parece que defendo a ortodoxia? Talvez. Ninguém é obrigado a ser católico. Mas se for, deveria ser "de verdade". Desde o século XVIII não é mais o que se vê. O futuro do catolicismo, ele existe, será a volta a origem. Será uma religião de poucos, um tipo de judaísmo light. Alguns milhões de fiéis.
   Claro que o papa sabe de tudo isso. O catolicismo pode voltar a crescer. Basta deixar de ser católico. Que aceite mulheres padres, que diga que nada pode ser pecado se feito com boa intenção. Talvez uma eleição geral para Papa, que tal? Partidos na TV, campanha pelo seu voto. Mas isso seria outra coisa, seria capitular, seria deixar de ser o que se é. E o Papa tentou manter um mínimo de rigor, de verdade em sua igreja. Perdeu. Claro que perdeu.
   Eu sou um católico romano. Mas nunca vou a igreja, não comungo, não me confesso e cobiço a mulher do próximo. Acho que Deus existe, penso que Cristo foi um Ser Superior e tive experiências místicas incofessáveis.  Admiro Buda, Krishna, os Batistas e os Sufis. Isso se tornou um católico. Nossa frouxidão, ou melhor, nosso espírito democrático fez de nós ovelhas perdidas.
   Bento sabe de tudo isso. E não encontrou nenhuma chance de solução. O caminho que ele escolheu é o mais honesto e o mais "espiritual": a volta ao mosteiro, a saída da vida vulgar, o recolhimento.  Ele está certo.