NIETZSCHE E O QUE IMPORTA NELE

   A Alemanha começou a crescer muito por volta de 1880. De repente burgueses exibiam nas ruas suas posses. Vaidosos, posavam otimistas, eram arautos do futuro. Militares mandavam em tudo. Era um regime militarista, prussiano. E os artistas, até então centro da vida alemã, se viram jogados ao canto, longe do poder, longe do centro. Goethe e Wagner não eram mais os heróis da nação, esses heróis eram a familia Krupp e Bismarck. Reis da indústria e o militar que arquitetou a Alemanha.
   Nietzsche surge nesse meio. Cheio de ressentimento. Filósofo sem sistema, jamais pode ser comparado a Kant ou a Hegel, ele está muito mais próximo de Pascal ou de Platão. Poeta-filósofo.
   Ele era um saudosista. Queria fazer da Alemanha uma nova Grécia. Via em Wagner o deus que traria á Alemanha a vitalidade do Mediterrâneo. Nietzsche ansiava por vitalidade. Via a seu redor uma nação em queda. Não percebeu que quem caía era ele. A Alemanha se erguia industrialmente, os artistas se perdiam, aturdidos pela nova pátria ambiciosa,  imperialista e materialista.
   Nietzsche foi um gênio do aforismo. Mas há aí um perigo, seus aforismos servem para tudo. Um orientalista verá neles a confirmação de sua crença, e assim será com um ateu, um simbolista, um fascista, um anarquista, um liberal. Eles parecem servir a tudo e a todos. O que devemos ter em mente é o que na verdade eles eram.
   Ele começa como pessimista, na escola de Schoppenhauer e ao final se torna um otimista, um cantor da alegria da carne e do fogo da vida. O que se manteve foi seu amor a beleza, ele sempre foi um esteta. Nietzsche idolatrava a beleza fisica do Mediterrâneo, a saúde dos corpos latinos, o sol. Ele via no cristianismo a negação de tudo isso, o culto a tristeza e a morte. Como diz Carpeaux, Nietzsche foi incapaz de compreender a humildade, via nela  ressentimento. Mas tudo no alemão aponta por um desejo absoluto por fé, por religião. Ele a encontra numa espécie de retorno ao paganismo, ao primitivismo. Ressentido com a nova nação, Nietzsche sente nostalgia do barbarismo.
   O ponto mais fraco de Nietzsche é aquele que ele considerava o mais forte, o Super-Homem. Esse ser seria para ele a salvação da Europa, a volta do europeu vital, da força do engenho e da vida. Engano que Burkhart logo percebeu e não aceitou ( Nietzsche era fã de Burkhart, o intelectual mais forte na Alemanha da época ), Burkhart viu que o Super-Homem seria o fim da Europa, um tipo de hiper-individualista que destruiria qualquer chance de união entre os homens.
   Fato estranho passa a ocorrer com Nietzsche após sua morte. Ele passa a ser, principalmente na França, um tipo de advogado para o hedonismo. Mal entendido, uma casta de burgueses privilegiados passa a viver à beira mar uma existência "nietzschiana", ou seja, sem regras, sem culpas e sem deveres. O poeta alemão ficaria chocado ao ver a leviandade com que sua filosofia de negação se torna para essa gente um tipo de álibi para o "bom-viver". Tudo pode e Tudo sem Culpa, esses se tornam os slogans de Nietzsche, slogans que ele jamais assinaria em baixo.
   Um grande poeta. Herdeiro de Holderlin, que ele adorava, último representante do humanismo puro na Alemanha, Nietzsche exerceu uma influência imensa sobre 90% da literatura feita entre 1900/1920. Genial criador de imagens, de frases, de efeitos, vivesse mais dez anos, se livre da loucura, ele teria encontrado o que? Em que alturas ele planaria?
   Nietzsche, como Jesus, Tolstoi ou Darwin, não tem culpa do que fizeram com sua herança. O tempo lhe deu sentidos postiços e distorceu o que ele desejava.
   Para ser entendido, deve ser lido sempre como um poeta. Poeta-filósofo, como o foi Platão. Poeta a procura da verdade. Em construção. Criança que descobre e pergunta, que nega e afirma, que se perde. Visto assim, ele foi imenso.