HISTÓRIA DE NATAL

   Cada um se vira com a história que lhe cabe. O homem precisa de narração, tanto como de ar. Perder o sentido da vida é perder a capacidade de narrar sua própria existência. Judeus que sobreviveram ao holocausto viam a dor como parte de uma saga. Indios morrem quando perdem o fio de sua narrativa.
   Há histórias para todos. O orgulho romântico nos faz "escolher" uma história. Criamos desde então a ilusão de que podemos "saltar fora" da linha e inaugurar uma nova história. Não é bem assim que a História funciona. Mas ok, é legal tentar...
   Na sede de narração, de sentido, o século XX criou centenas de novas histórias. Para todos os gostos. Nietzsche ressuscitou o paganismo e idolatrou o barbarismo. Os poetas celtas tentaram misturar fadas com cristianismo. Criaram-se mitos de raças, de revoluções definitivas, e até tentou-se criar uma história sem narração. Se fez muito jogo de palavras, negou-se muito. Hobbits, Batman, Arquétipos, Complexos de Édipo, Feiticeiras. Cada um criou sua historinha pessoal e lutou para fazer dela um credo universal. O Ocidente até importou sagas do Oriente para tentar se refundar.
   Mas a sede de narração não pode morrer.
   E temos a Grande História. A primeira história que nega a violência. Sim, o cristianismo reprime a violência que nos é natural. É a religião que tem um herói que é herói por não lutar e não matar. Um herói que vai ao meio do povo e lá ensina. Em meio a Hércules, Davi e César, Jesus é o primeiro a exaltar a doçura. Sua mensagem irrita os amargos e os violentos. Paz na Terra. Eis a história central do Ocidente. Hoje é o dia de recontar.
   Não estou falando como homem de fé. Essa graça não me foi dada. Falo como alguém que perdeu esse preconceito. O preconceito contra o que é do povo. Eu dizia, sem pensar: " A Igreja nos deu a culpa!", "A Igreja tem corruptos!"
   Temos a culpa se cometemos o mal. O remorso não é uma criação dos católicos. Eles apenas dirigiram essa dor para outro foco. Antes voce se culpava por não ser corajoso, cidadão ou viril. Agora o foco se tornou a bondade, o perdão e a placidez. Sim, sentimos culpa quando fazemos atos de bárbaros. Não podemos mais matar e roubar impunemente. A culpa nos persegue.
   Não sei se Jesus foi o Cristo. E na verdade isso não tem importãncia nenhuma. O que me causa maravilhamento é a força dessa história. A forma como ela penetrou em cada ato dos últimos 2000 anos. No modo como amamos, como vemos o que seja bom, em nossa arte, em nossa relação com o Cosmos. Dois mil anos atrás, no meio da mais pobre das colônias romanas, um homem veio do deserto e começou a falar. Nunca de vingança. Nada de guerra. Não formou exército. Falava de amor. Apenas de amor. E demonstrou em ato que se voce quer ser feliz voce deve simplesmente amar. E ser um filho. Um pai. E espírito.
   Deixar de admirar profundamente essa mensagem e essa história é jogar fora o que há de mais nosso.
   Um Bom Natal.