SOM E IMAGEM ( DUBLAGEM E DESENHO )

   Uma pessoa razoávelmente inteligente costuma estar aberta a mudanças. Falo isso porque uma das coisas mais mal pensadas que já falei foi a de que o que mais me interessa num filme é a fotografia. Bem, pode até ser que vinte anos atrás eu adorasse sobretudo o visual de um filme, mas agora, amante que sou da palavra, são os diálogos que me fascinam. Talvez isso tenha surgido pelo fato dos diálogos serem hoje tão bobos em quase todos os filmes. Fácil exemplificar isso. Pegue um filme que tenha te impressionado. Agora tente lembrar de uma frase desse filme. Voce vai lembrar de imagens, de cenas gráficas, mas não de um diálogo. Claro que há excessões. Os filmes de Tarantino têm muito cuidado com as falas. Mas se voce pensar num roteirista inteligente, como Kauffman por exemplo, verá que sua criatividade é aquela do artista plástico e não do escritor. Ele cria imagens, no máximo climas, todos nascidos do visual, e não diálogos. Idem para Wes Anderson ou Sofia Coppolla. Cinema da França, Espanha etc é outro caso. Eles ainda falam. O sucesso na década de 2000 da Argentina se devia muito ao dom de falar.
   Os filme do futuro serão mudos. E cheios de barulho. Nesse sentido, os filmes de porrada dos anos 80 eram o futuro.
   Falo tudo isso para citar uma conversa que tive com uma amiga. Lembrávamos velhos desenhos e no meio do papo notei uma coisa: Décadas depois conseguíamos recordar diálogos desses desenhos. Estáticos, de animação tosca ( são da época "Linha de Montagem" da Hannah-Barbera ), as falas garantiam a diversão. As crianças que os viram adquiriam assim "ouvido para falas". A paciência de escutar. Muitos desses desenhos não tinham ação, e penso que para uma criança barulhenta de hoje, assistir a Manda-Chuva ou a Joca e Ding-Ling é o equivalente a um filme de Tarkovski para mim.
   Os dubladores eram geniais. A AIC São Paulo, a Odil Fono Brasil, eram fábricas de criação. Quem os viu se lembra das vozes. E das linhas de diálogo. Eu poderia ficar aqui citando centenas de falas que toda criança sabia. Foram essas frases que nos despertaram para a beleza da lingua e da memória.
   Já nos anos 90, eu acompanhei A Vaca e o Frango, Johnny Bravo, Eu Sou o Máximo e Pinky e Cérebro, e via em todos eles uma bela tentativa de resgatar a forma dos diálogos. Nesses desenhos se falava muito, e eram falas ótimas. Mas não consigo encontrar alguém que recorde um diálogo. Lembramos das músicas, dos caracteres, do visual, mas não das falas. Pena.
   O que me faz pensar não ser à toa que o filme do Oscar seja mudo. Por mais que eles explodam, murmurem, discursem e atirem, os filmes são todos mudos. Ou melhor, Ruidos que nada significam.