A GUERRA. WINSTON SPENCER CHURCHILL.

   Joseph Conrad escreveu Coração das Trevas sobre a guerra do Congo na mesma época em que Churchill vivia as guerras do Sudão e da África do Sul. E são visões opostas. Conrad mostra o horror puro da guerra. Churchill nos exibe o outro lado. Ler Conrad hoje é maravilhoso, mas é como conversar com um amigo. Ler Churchill é travar contato com uma visão diferente. Ele nos mostra o mundo dominante pré-Primeira Guerra. Exibe aquilo que se foi para sempre.
   No começo do livro ele conta que muito do que lá está ele contaria de outra forma hoje ( esse hoje é 1930 ), a maturidade e a primeira guerra mudaram sua opinião sobre muitas coisas. Mas, sabiamente, ele mantém as palavras do jovem Winston Spencer Churchill intactas. Aqui não falarei de toda a primeira parte, falarei sobre a guerra e as mudanças que nela se operaram.
  Alegria. Todos vão à guerra alegremente. Procuram lugares mais perigosos, querem ir ao centro do furacão. Ele chega a ver 20.000 mortos numa batalha, mas após lamentar o azar dos que se foram, continua adiante, sem medo ou dor de consciência. Porque? De onde vem essa admiração pela beleza da guerra? Como era possível assistir a tanto sangue sobre o chão e continuar adiante? Continuar amando a guerra sem nenhuma culpa, nenhuma vergonha, sem precisar esconder isso. O que mudou?
   O próprio Churchill maduro dá a resposta ao lamentar o fim dessa época em 1930.
   A guerra era coisa de profissionais. Amadores não se envolviam e nunca eram alvo. Guerreava quem era guerreiro, quem desejava lutar. Winston lamenta o envolvimento de cidades, de civis, de amadores.
   Batalhas eram feitas em campos de batalha e em meio a complicadas táticas. As tropas se moviam em batalhões bem ordenados. Pode-se dizer que havia uma racionalidade na guerra. Povos civilizados demostravam sua civilidade numa batalha.
   O inimigo era visto olho a olho. Voce conhecia quem te feria e escolhia seu alvo. A destruição tinha um rosto, era um homem contra um homem. Churchill lamenta o fato de que a guerra se tornou uma máquina contra outra máquina. A morte dos soldados se tornou um detalhe, anônimo.
   A guerra era vista como um esporte. Sim, um esporte. Tinha regras, dois times e juízes. O objetivo, marcar pontos, caçar, dominar o terreno. Capturar a bandeira do adversário.
   O principal: Havia a crença no país. Churchill vai a India. Lá, ele participa de uma guerra punitiva. Uma tribo ousou desafiar o dominio do rei. Eles vão a essa tribo e a punem. Destroem suas plantações e matam seus animais. Hoje isso seria imoral. Churchill tem absoluta fé de que ele está certo. Afinal, os ingleses estão salvando a India da barbárie. Trouxeram medicina, tolerancia religiosa, estradas, leis, advogados...eles devem ser agradecidos. Para Churchill isso é indiscutível: O mundo é dividido entre civilizados e bárbaros. A civilização é o bem supremo.
   Mas isso não impede que Churchill admire certos soldados inimigos e ele até se torna amigo de alguns ex-inimigos. Acima de tudo há a consciência de que tudo é um esporte. O que mais estranhamos é que são guerras sem ódio ( claro que na visão dele. Imagino como os Boers se sentiam ).
   Com seus belos uniformes ( ele passa linhas e linhas descrevendo a beleza dos uniformes ), seus cavalos caros ( ele ama os cavalos ) e toda sua sofisticada tática, a guerra era um tipo de teatro onde a morte era vista como um preço, baixo, a se pagar. Um jogo.
   Penso que hoje toda essa beleza está nos aviões e nas armas... pobres soldados.
   O homem era o centro da guerra, e em mundo que vivia a plena industrialização, a guerra era o lugar onde ele ainda podia se afirmar.  Lá ele era rei.
   Em tempo.... O livro começa em 1885 e segue até as vésperas de 1914. Churchill, que escreve muito bem, continuaria a escrever até o fim da vida, em 1965. Foi primeiro-ministro duas vezes e segundo Paulo Francis, ele salvou a Europa de Hitler. Era o mais odiado dos inimigos do nazismo. Penso, não penso, tenho a certeza, de que jamais teremos novamente lideres no Ocidente com tanta fibra, tanta certeza naquilo que defendem. Churchill acreditava na civilização européia, acreditava na Inglaterra, tinha fé plena em tudo que era inglês: na cultura, na religião inglesa, no homem inglês, nas instituições. Essa crença inquebrantável nos é impossível. Se ele tivesse um momento de dúvida em 1940, uma hesitação, Hitler teria vencido.
   Outro adendo: Quando em 1808 Napoleão invade a Espanha e Portugal o que ele encontra? A quebra de todas as regras da guerra. A guerrilha é inventada nessa guerra. Os Ibéricos jogam sujo. Crianças, mulheres, velhos, todos sabotam Napoleão. Não há um exército para enfrentar. O inimigo é qualquer um. A Europa se escandaliza. Passam a considerar Espanha e Portugal reinos pouco civilizados. Vem dái nossa guerra moderna. Vem daí a sensação de que Espanha e Portugal não são Europa. Lutavam com enxadas, foices e pedras. Escondidos. Não reconheciam o jogo.
   Ler este livro é ler um mundo perdido.