O PRIMEIRO LIVRO, A ILHA DO TESOURO, STEVENSON

Era uma coisa muito estranha... Ao passar meus olhos pelas linhas impressas na página branca eu via um garoto, via uma barrica de maçãs, via um navio de piratas. E de visão em visão acontecia aquilo que eu pensava ser impossível, lia as quase 200 páginas que me pareciam antes uma eternidade, e que agora eram como que uma viagem. De visões. Um milagre naquele ano ( mais um ), eu podia viajar no tempo, estava na Inglaterra de 17...
   Sim, foi meu primeiro livro. Eu sei, antes houve Renard, A Velha Raposa; mas esse eu não li de verdade, esse eu desvendei como um brinquedo. Porém este, A ILHA DO TESOURO, de Stevenson, esse foi tocado desde o inicio como um livro. A relação que tive/tenho com ele espelha a relação que tive/tenho com todos os livros. A possibilidade de uma passagem.
   Meu pai comprou pra mim. Anunciava na TV. Uma coleção da Abril, Clássicos Juvenis. Vinha embalado em plástico e a capa era uma beleza. Dura, mostrava um pirata subindo num navio. O mar escuro, o céu ameaçador. Um lampião nas mãos do pirata, o rosto era o de um assassino sujo. Era 1971, e em meio a meus amores, pela professora, pelos Monkees, pelos Hardy Boys e pelos desenhos do Pernalonga, mais um nascia, o amor pelas coisas que nos fazem voar. Principalmente as que vinham embaladas em forma de livro, com cheiro de papel e letras bem impressas.
   Eu tinha apenas 7 anos e a leitura foi lenta. Eu lia em voz alta, para meu irmão, que tinha 4 anos. Lia de manhã na cozinha, lia no quintal, debaixo do mamoeiro, debaixo da videira, junto ao poço. Lia no frescor do porão, lia na sala cheia de sol. Era um esforço, eu cansava, mas era um prazer, eu achava alguma coisa. Tinha nas mãos, só pra mim, um mundo paralelo.
   Jim era o menino. E quem me conhece perceberá o quanto meu gosto estético foi ditado por esse primeiro livro. A chuva de noite, a hospedaria. O mapa do tesouro, a morte. A viagem pelo mar e os tipos suspeitos. A fuga rumo à Ilha e a luta. O encontro do baú. Milhares de imagens que vão da velha Inglaterra suja e fria à ilha tropical e misteriosa. Os personagens, um velho doido perdido na ilha, o cozinheiro bandido, Black Dog.
   Hoje ele continua aqui comigo. O mesmo livro, agora com 41 anos de idade. Criou manchas amarelas, a lombada está cheia de pó. O tempo o marcou, da mesma forma que me marcou. Robert Louis Stevenson foi então o primeiro autor que li. E quinze dias depois veio o primeiro autor que chamei de "meu autor", TOM SAWYER, de Mark Twain. Mas essa é outra história...