O MOINHO E A CRUZ, FILME DE LECH MAJEWSKI

   Aviso que não é um filme fácil. Sokurov faz escola e se trata de um filme lento, quase estático. Ao mesmo tempo tem uma fotografia que beira o fantástico. Ao término do filme voce se encontra em um tipo de estado alterado. Por mais chato que ele seja ( ele é ), ele te deixa hipnotizado. Cria um mundo e subverte o tempo. Seu poder se dá em seu final. Só quando ele termina notamos que durante hora e meia vivemos em outra dimensão. Dentro do universo contido em um quadro. Uma das obras-primas de Brueghel.
   Brueghel é feito por Rutger Hauer, e ele está compondo seu quadro. O que o filme mostra são os personagens da pintura em seu cotidiano e se dirigindo ao cenário que é a pintura. Parece complicado? Não é. Nos primeiros minutos voce ficará meio tonto, mas depois tudo vai se clarificando.
   Brueghel foi pintor mestre da escola nórdica. Enquanto os pintores católicos pintavam imponentes retratos de reis, cenas bíblicas e históricas; os nórdicos inseriam a vida do povo em suas pinturas. Camponeses e soldados rasos. Na época do quadro a Espanha dominava vastos reinos nórdicos e perseguia cruelmente os hereges ( protestantes ) desses países. A pintura de Brueghel coloca os espanhóis como "novos romanos" e os belgas/holandeses/alemães como os seguidores de Cristo. O diretor, Lech Majewski, não facilita, ele exibe dor, crueldade, chagas.
   Interessante observar roupas, casas, modos da época ( cerca de 1630 ). São humanos que hoje parecem alienígenas para nós, corretos homens de 2012. Esquecemos que aquela era uma Europa cheia de animais e de crianças. Muitas crianças.
   Há uma frase no filme ( é um filme quase mudo ) muito importante: a de que as coisas mais fortes, os fatos que podem mudar o mundo, passam despercebidos por todos. Essa é uma mensagem direta para nossa época. Cristo morre sem que o mundo saiba. No ano 33 DC. o que o mundo olhava era Roma, os reis romanos e suas guerras. Ninguém se importou com um pobre profeta judeu. A mesma coisa com vários homens e acontecimentos em toda nossa história. E a mesma coisa pode estar ocorrendo agora.
   O simbolismo do filme é explicado pelo personagem Brueghel. O moinho é o Tempo, tempo que mata e alimenta.
   Comento aqui um desses momentos chave que o filme não fala ou toca, mas que me fez pensar: a Espanha destruiu o catolicismo. Seu fanatismo, aquele de Isabel e Fernando, deu ao catolicismo seu caráter cruel. Penso que se a armada espanhola houvesse vencido a Inglaterra, se a tempestade não houvesse afundado a marinha gigantesca da Espanha, o que seria do mundo hoje? Teríamos a vitória do modelo espanhol. Monarquia sem constituição, fanatismo inquisitorial, fidalguia sem trabalho. Os reis católicos ingleses voltariam ao poder, todos os protestantes seriam perseguidos, o caos nas ilhas. A Escócia mandaria na Grã-Bretanha. Este filme não mostra nada disso, mas exibe o que foi a Espanha nos países baixos.
   Claro que pode, e deve, ser feito um paralelo com a URSS sobre a Polônia. O povo polonês massacrado e executado. Mas qualquer outra tirania tem lugar aqui. Cristos foram executados por falarem aquilo que precisava ser dito.
   É um bonito filme. É cheio de ideias e toca fundo quando termina. Mas não é um grande filme. E nisso que falo não há nada de contraditório. Pois ele é mais uma tese, uma obra audio-visual, uma experiência com imagem. Mas não é aquilo que entendo por "grande cinema".
   Espero em breve poder explicar o que seja "grande cinema".
   Em cartaz agora em SP, merece ser visto.