O MONO GRAMÁTICO- OCTAVIO PAZ, AS PALAVRAS E A PRESENÇA...

Em meu primeiro ano de faculdade, era 1984, lembro que nossa excelente professora de português nos mandou fazer uma redação baseada na apreciação do Bolero de Ravel. Após ler aquilo que eu escrevera, um texto confuso sobre sonho, engano e verdade, ela me aconselhou a ler Octavio Paz, autor que ela considerava formular as mesmas questões que me inquietavam. Ela acertou. Mas só comecei a ler Paz nos anos 2000. Este é o quarto livro que leio desse autor mexicano.
Diplomata, ele servia na India quando escreveu este enigmático e lúcido texto. É um relato de viagem? É poesia? É filosofia? Quem sabe? Paz anda pelo caminho de Galta e vê uma parede suja e ruínas de um palácio. Macacos e homens nús que se pintam com cinzas humanas e com bosta de vaca. Uma mesa no vizinho e uma sombra de fim de tarde. Tudo lhe causa impressão. E tudo lhe faz questionar o tempo, a escrita e as coisas.
Somos seres que pensamos o mundo, olhamos e nos vemos no mundo, narramos o mundo, mas a angústia é a de que o mundo não nos vê. A tarde e a árvore são indiferentes a nossa presença. Não nos conhecem, ignoram. A tarde a a árvore podem ser destruídas por nós, feitas um nada, e mesmo assim continuarão a ser ignorantes sobre quem somos. Exilio.
A linguagem nos exila da vida. Ao dar nome a árvore não mais podemos a ver. As palavras tecem um véu entre a coisa, que não tem um nome, e o nome a que a nomeamos. O que vemos é uma árvore e não aquela árvore. A vida é uma linguagem, mas a linguagem não pode ser uma vida. Esse o tema principal do livro. A linha da escrita e do pensamento se tece no tempo e na materialidade do começo/meio/fim. Mas a árvore não conhece e não exite nessa linha. Nós a vemos em palavras e linhas, ela não é isso. Nos é inalcansável.
Mais: o eu foge  de nós. Nunca nos sabemos como eu. Passamos a vida a procura desse eu que foge por não ser explicável e traduzível em palavra. O vemos e então ele já se foi. Mas entre aqueles homens sujos, que sabem que nossa voz "é apenas um ruido como o ruido dos macacos e dos periquitos", ele percebe o estar-estando, o ser-sendo.
Eles andam pelas estradas da India, como seus avôs faziam e como seus netos farão. Não há uma linha ali, há um momento que vence o tempo. O agora é ontem que é amanhã. A linha se faz um caracol. Vida que prescende da palavra. O homem sem nome que está como a árvore. Reconciliado. O agora é um agora desnarrado. Sempre o mesmo e jamais igual.
Os animais falam entre si, mas nós falamos com as coisas e com nós mesmos. Nunca estamos calados e nunca conseguimos dizer aquilo que quer ser dito. Falamos esse discurso na árvore, na tarde e na Lua. Eles não.
A poesia tenta dizer o real e não pode. Ela não nomeia o que não tem nome, ela "desnomeia" as coisas. Faz o processo enlouquecedor de tirar das coisas seu nome. Rasga o véu da linha e tenta restituir a árvore sua condição verdadeira. Não consegue, mas toda poesia continuará tentando. Fazer da linha um momento que não passa e não corre.
Problema da escrita: ao ser lida ela se desfaz. Lemos e misturamos as linhas, interpretamos, sentimos, destruímos. Esquecemos. Lemos a árvore a ao lê-la deixamos de ler a árvore. E por ter sido lida ela não poderá ser o que é. Será um texto destruído. A árvore não é uma palavra, mas fazemos dela uma palavra, e lendo essa palavra perdemos a palavra. Dupla perda.
Paz fala ainda de sexo, do corpo. Pois mesmo um corpo nos é inacaptável. Vemos partes, uma coxa, uma boca, um sorriso, mas não vemos a totalidade do corpo. Ele sempre será fragmento, silaba de um discurso.
Livro que pode ser lido em fragmentos aleatórios, prosa em poesia, Paz pensava o próprio ato de pensar e escrevia sobre a razão de se escrever. Ele desconfia das palavras, vai contra os linguistas, diz que as palavras nada dizem, que a verdade sempre escapa, que o dito é o desimportante. Que a verdade não consegue ser pensada em linguagem. Octavio Paz nunca teve medo. Questiona o que vê, o que aprendeu e até o que sente. Em nosso mundo de texto e de imagem virtual, Paz faz uma falta tremenda.