Foi no centro da Idade Média. A maior revolução psicológica dos últimos 2000 anos. A mente humana, preparada para essa quebra desde séculos anteriores, tem a última visão de um mundo, e se fecha depois disso. Mas nada do que foi um dia se perde. O mundo que se desvaneceu ( desvaneceu de fato ? ), permanece dando suspiros e pistas, mas viramos nossas costas. Porque? Como?
A melhor maneira de não ser religioso é sendo um católico. Como a melhor maneira de não ser revolucionário é se filiando a qualquer organização marxista. O melhor modo de não ser poeta é sendo O Poeta. E um modo infalível de não se compreender nada da mente humana é fazendo parte de qualquer associação de "estudo da psique". O agrupamento destrói o auto-conhecimento. O denominador comum desfaz toda chance de originalidade. E originalidade é o único caminho de renovação.
No meio da era medieval começa a nascer algo parecido com o mundo de agora. Cidades crescem, estradas se fazem, associações comerciais, a religião organizada se torna poder. O espirito se recolhe. Os xamãs se tornam passado ( voltarão e eu direi como ), a lingua da alma, do inconsciente, passa a ser um idioma para poucos. Alguns resistem. Seitas hereges, filósofos herméticos, poetas trovadores. Todos serão devidamente perseguidos. Eis o universo que reprimimos, que ridicularizamos, que sufocamos.
Na época de Homero toda arte era poesia e todo homem sabia cantar em modo poético. A história, o teatro, a religião e até os discursos eram poemas. O homem nasce como poema. Constatação: sempre que sonhamos poetamos. A lingua de nossa mente profunda é sempre poética. Um homem que queira ler a mente tem necessáriamente de ser um poeta. Um poeta com temor da alma é uma contradição.
No meio da idade média pegamos toda essa fonte de sabedoria e a reprimimos, transformando-a em paixão. Toda a magia passa a ser depositada em um único altar, o amor de um homem por uma mulher. A diversidade de canais, a exuberãncia lida em toda a vida, torna-se aprisionada em um único foco: A amada. É nela que passamos a crer, é nela que confiamos e é só nela que nos permitimos ser "poetas". Triste realidade. A mágica da vida que existia em cada um de nós, se fez dependente do encontro casual com a musa. Amor artificial, criado como compensação de uma perda irrecuperável, fadado a decepção.
Porque perdemos o dom de ler a vida. Sabíamos ver todo sinal. Confiávamos em tudo aquilo que vinha do invisível. Não procurávamos explicações, entendíamos. Hoje precisamos de alfabetos codificados por terceiros. E só lemos e entendemos aquilo que nos foi ensinado.
Mas há algo em nós que não lê e ao mesmo tempo sabe.
Disse que falaria do xamã.
O xamã era o ser que recebia dos homens as mensagens e as devolvia como soluções. Interessante observar que nossos "sábios" são todos voltados ao passado. É sábio quem sabe o que foi escrito e feito no passado. E todo nosso avanço nasce desse passado. O extremo dessa ideologia do passado-como-futuro, atinge seu apogeu no século XIX, com Darwin, que explica a vida como evolução determinada pelo passado; Freud, que tenta explicar a mente como organismo determinado pela infãncia; e Marx, que adivinha o futuro com um estudo do passado histórico. Em comum todos têm esse desejo de crer, crer que o passado condiciona completamente o futuro. Mas essa distorção vem de muito antes. É na época medieval que nasce o "homem sábio" como aquele que domina o passado. O xamã nada sabe do passado, numa sociedade xamanica, o futuro nasce do agora, nada tem a ver com o passado, que deve ser morto e esquecido. Quando um xamã recebe do "cliente" uma indagação, ele intui um futuro, sem qualquer compromisso com o que aconteceu antes. Uma sociedade assim não precisa de escrita. O passado deve ser ignorado. Francis Crick diz hoje ( é um neurologista ), que sonhamos para esquecer. O futuro confirma a necessidade xamanica.
Um dia eu sonhei que uma mulher que eu amava terminava comigo. Sonhei com o diálogo, o local onde ele se dava e as posições em que estávamos. Acordei e contei esse sonho à minha mãe. Na mesma manhã esse diálogo ocorreu com as mesmas palavras, no mesmo local, nas mesmas posições. Minha mente racionalista berra para que eu creia que de certo modo eu dirigi a situação, que sem querer eu provoquei a repetição do sonho. Seria confortável e seguro crer nisso. Seria claro e me sentiria no controle da vida. Mas não teria sido um presságio? A irrupção daquilo que antes era comum nos homens e que hoje é tão raro? Admitir isso faria de minha vida escuridão, força incontrolável, daria a tudo um imenso caráter de mistério. Ou não.
Tenho estudado o mais absorvente dos assuntos. Vida, morte, espirito, instinto, inefabilidade, crenças. O gnosticismo, um modo de pensamento que permeia todo o mundo moderno. No mundo da hiper-informação, dos super-heróis, da new-age, da cabala, do rock eletrõnico, das drogas, tudo é gnosticismo mal entendido, vulgarizado ao extremo, disneyizado. Mas não se engane. Em cada leitor de Paulo Coelho ou de vampiros teen, em cada jovem que se balança em pseudo-extase, em cada homem que procura luz em astrólogo, psicólogo ou templo, existe a lembrança de uma herança viva, pulsante, pressentida, dentro de nós.
Harold Bloom diz que essa massa de gnosticismo pop faz com que o verdadeiro gnosticismo se perca para sempre. Prefiro pensar que não. Em meio a massa podem nascer interesses e verdades reais. Essa profusão de eus pode dar em algum tipo de consciência nova e profunda. Conseguimos sair daquele cientificismo baboso do século XIX e de grande parte do XX. Talvez esse encontro mortal com o oriente nos queira dizer algo. Talvez essa caminhada à solidão, que é marca do século XXI, se revele no fim um caminho necessário. Quem sabe?
PS: Muito tenho falado do cientificismo. E um amigo disse que sou um tipo de Thoreau, anti-progresso. Cientificismo não é ciência. Adoro a ciência. Adoro esta tela de PC, adoro o DVD, sou fascinado pela neurologia, adoro todos os remédios que curam ou deixam a vida menos dura. Ciência é aquilo que é sólido, que independe de se crer ou não. Ciência não admite discussão. Ninguém discute o movimento da Terra ou a força da gravidade. Um coração doente não admite discussão. A artéria está bloqueada. O cientificismo depende de fé. Voce acredita naquele chute ou não. Isso eu acho deplorável e bastante ridiculo. Não por eu condenar uma fé ( a vida é um ato de se crer ou não ), mas por eu gargalhar com a pose racional de certas proposições inverificáveis. Cientificistas geralmente condenam as fés que vão contra as que eles defendem. São xiitas. Para eles a verdade é una, a deles e só a deles, que depende 100% de se crer ou não.
Prefiro a mais fantasiosa das teorias. Desde que se saiba "teoria".
Deu pra entender?
A melhor maneira de não ser religioso é sendo um católico. Como a melhor maneira de não ser revolucionário é se filiando a qualquer organização marxista. O melhor modo de não ser poeta é sendo O Poeta. E um modo infalível de não se compreender nada da mente humana é fazendo parte de qualquer associação de "estudo da psique". O agrupamento destrói o auto-conhecimento. O denominador comum desfaz toda chance de originalidade. E originalidade é o único caminho de renovação.
No meio da era medieval começa a nascer algo parecido com o mundo de agora. Cidades crescem, estradas se fazem, associações comerciais, a religião organizada se torna poder. O espirito se recolhe. Os xamãs se tornam passado ( voltarão e eu direi como ), a lingua da alma, do inconsciente, passa a ser um idioma para poucos. Alguns resistem. Seitas hereges, filósofos herméticos, poetas trovadores. Todos serão devidamente perseguidos. Eis o universo que reprimimos, que ridicularizamos, que sufocamos.
Na época de Homero toda arte era poesia e todo homem sabia cantar em modo poético. A história, o teatro, a religião e até os discursos eram poemas. O homem nasce como poema. Constatação: sempre que sonhamos poetamos. A lingua de nossa mente profunda é sempre poética. Um homem que queira ler a mente tem necessáriamente de ser um poeta. Um poeta com temor da alma é uma contradição.
No meio da idade média pegamos toda essa fonte de sabedoria e a reprimimos, transformando-a em paixão. Toda a magia passa a ser depositada em um único altar, o amor de um homem por uma mulher. A diversidade de canais, a exuberãncia lida em toda a vida, torna-se aprisionada em um único foco: A amada. É nela que passamos a crer, é nela que confiamos e é só nela que nos permitimos ser "poetas". Triste realidade. A mágica da vida que existia em cada um de nós, se fez dependente do encontro casual com a musa. Amor artificial, criado como compensação de uma perda irrecuperável, fadado a decepção.
Porque perdemos o dom de ler a vida. Sabíamos ver todo sinal. Confiávamos em tudo aquilo que vinha do invisível. Não procurávamos explicações, entendíamos. Hoje precisamos de alfabetos codificados por terceiros. E só lemos e entendemos aquilo que nos foi ensinado.
Mas há algo em nós que não lê e ao mesmo tempo sabe.
Disse que falaria do xamã.
O xamã era o ser que recebia dos homens as mensagens e as devolvia como soluções. Interessante observar que nossos "sábios" são todos voltados ao passado. É sábio quem sabe o que foi escrito e feito no passado. E todo nosso avanço nasce desse passado. O extremo dessa ideologia do passado-como-futuro, atinge seu apogeu no século XIX, com Darwin, que explica a vida como evolução determinada pelo passado; Freud, que tenta explicar a mente como organismo determinado pela infãncia; e Marx, que adivinha o futuro com um estudo do passado histórico. Em comum todos têm esse desejo de crer, crer que o passado condiciona completamente o futuro. Mas essa distorção vem de muito antes. É na época medieval que nasce o "homem sábio" como aquele que domina o passado. O xamã nada sabe do passado, numa sociedade xamanica, o futuro nasce do agora, nada tem a ver com o passado, que deve ser morto e esquecido. Quando um xamã recebe do "cliente" uma indagação, ele intui um futuro, sem qualquer compromisso com o que aconteceu antes. Uma sociedade assim não precisa de escrita. O passado deve ser ignorado. Francis Crick diz hoje ( é um neurologista ), que sonhamos para esquecer. O futuro confirma a necessidade xamanica.
Um dia eu sonhei que uma mulher que eu amava terminava comigo. Sonhei com o diálogo, o local onde ele se dava e as posições em que estávamos. Acordei e contei esse sonho à minha mãe. Na mesma manhã esse diálogo ocorreu com as mesmas palavras, no mesmo local, nas mesmas posições. Minha mente racionalista berra para que eu creia que de certo modo eu dirigi a situação, que sem querer eu provoquei a repetição do sonho. Seria confortável e seguro crer nisso. Seria claro e me sentiria no controle da vida. Mas não teria sido um presságio? A irrupção daquilo que antes era comum nos homens e que hoje é tão raro? Admitir isso faria de minha vida escuridão, força incontrolável, daria a tudo um imenso caráter de mistério. Ou não.
Tenho estudado o mais absorvente dos assuntos. Vida, morte, espirito, instinto, inefabilidade, crenças. O gnosticismo, um modo de pensamento que permeia todo o mundo moderno. No mundo da hiper-informação, dos super-heróis, da new-age, da cabala, do rock eletrõnico, das drogas, tudo é gnosticismo mal entendido, vulgarizado ao extremo, disneyizado. Mas não se engane. Em cada leitor de Paulo Coelho ou de vampiros teen, em cada jovem que se balança em pseudo-extase, em cada homem que procura luz em astrólogo, psicólogo ou templo, existe a lembrança de uma herança viva, pulsante, pressentida, dentro de nós.
Harold Bloom diz que essa massa de gnosticismo pop faz com que o verdadeiro gnosticismo se perca para sempre. Prefiro pensar que não. Em meio a massa podem nascer interesses e verdades reais. Essa profusão de eus pode dar em algum tipo de consciência nova e profunda. Conseguimos sair daquele cientificismo baboso do século XIX e de grande parte do XX. Talvez esse encontro mortal com o oriente nos queira dizer algo. Talvez essa caminhada à solidão, que é marca do século XXI, se revele no fim um caminho necessário. Quem sabe?
PS: Muito tenho falado do cientificismo. E um amigo disse que sou um tipo de Thoreau, anti-progresso. Cientificismo não é ciência. Adoro a ciência. Adoro esta tela de PC, adoro o DVD, sou fascinado pela neurologia, adoro todos os remédios que curam ou deixam a vida menos dura. Ciência é aquilo que é sólido, que independe de se crer ou não. Ciência não admite discussão. Ninguém discute o movimento da Terra ou a força da gravidade. Um coração doente não admite discussão. A artéria está bloqueada. O cientificismo depende de fé. Voce acredita naquele chute ou não. Isso eu acho deplorável e bastante ridiculo. Não por eu condenar uma fé ( a vida é um ato de se crer ou não ), mas por eu gargalhar com a pose racional de certas proposições inverificáveis. Cientificistas geralmente condenam as fés que vão contra as que eles defendem. São xiitas. Para eles a verdade é una, a deles e só a deles, que depende 100% de se crer ou não.
Prefiro a mais fantasiosa das teorias. Desde que se saiba "teoria".
Deu pra entender?