HERÓI

As pessoas amam os herois. E em sua maioria, gostariam de ser um deles. Mas poucas, muito poucas, têm a coragem e podem pagar o preço que o heroísmo pede. Pessoas espertas perceberam então que pessoas que não tentam o heroísmo estão dispostas a ser comandadas. Precisam de comando e de dogmas que as livrem de responsabilidade.
O herói é o homem/mulher que saiu da "vila". Seja fisicamente, seja metaforicamente, todo herói rasga o véu da ilusão, obtèm a imagem da verdade e sai/entra em busca de uma missão. Para obter essa visão é necessário o descompromisso com o comum. O herói não segue um padrão, seja comportamental, religioso, cientifico ou politico. E aquele que não segue um dogma paga o preço, a solidão, condição do herói, de todo herói, mesmo daquele que vive em grupo. É fácil perceber que nada é mais nocivo à sociedade que um herói. Ele lembra ao homem comum aquilo que ele poderia ter sido. Traz em si a ideia de que existe vida fora da banalidade. Irritará o materialista por seu desapego, o cientista por sua irracionalidade, o religioso por sua insatisfação, o lider por sua insubmissão.
Nós, que não somos heróis, não suportamos a vida sem regras estabelecidas. Amamos a ideia do heroísmo, mas temos pavor do que significa sê-lo. Queremos segurança e anonimato, ser como todo mundo, não carregar o peso de nossa individualidade.
Segundo Jung, sem o encontro com esse individualismo que existe em cada um de nós, não há como viver uma vida com sentido. O  não-herói aplaca sua angústia, mas paga o preço de só poder viver sob o jugo de um lider, uma lei ou uma regra. Busca o esquecimento de si-mesmo, não suporta se olhar. Corre numa sucessão de distrações, de viagens sem fim, de êxtases vazios. Vive na esperança louca de não precisar viver. A vida é história, a vida é alma, a vida é futuro. E história, alma e futuro pertencem individualmente a cada um que vive. O covarde procura viver a história de outro, sonhar o futuro comum e negar a alma como coisa sua e ao mesmo tempo sem dono.
A arte nos faz ter contato com a história interna de todos nós. E abre a possibilidade de encontrarmos nossa história pessoal. A linguagem da poesia é a linguagem do inconsciente, ela é lúdica, criativa, volátil, sábia. A religião não dogmática nos dá contato com a alma, pois religião não é superstição ( resposta fácil, covarde e tola, que nada responde na verdade ), religião é uma necessidade de todo humano, a necessidade de sentido, de transcendencia e de tomar contato com aquilo que está além do que sabemos e podemos saber. Impulso tão forte quanto a própria vida, impulso que é sublimado em alguns ateus radicais pela politica, sexo ou filosofia racional. Não percebem que essas são suas religiões sublimadas e empobrecidas.
O futuro é uma construção permanente que depende da realização da história e da alma. Futuro que não é um alvo, não é um destino, não é premeditado. Ele é conhecimento. Da vida e de si-mesmo.
Existe em voce a potência de se ser aquilo que voce pode vir a ser. Essa imagem mora dentro de voce desde sempre. E se voce tiver algum poder de introspecção poderá vê-la. Isso nada tem de mistico ou de louco, ela está lá, é um tipo de "homem que eu poderia ser e talvez um dia seja". Não é melhor ou mais bonita que aquilo que voce vê no espelho e que seus amigos vêem. É tão somente mais verdadeira. Estranhamente calma e definida. Como se fosse um fim de história. Um eu que não mais se move. Esse é o futuro seu e só seu. Mas não é o futuro que necessáriamente vai acontecer. Para vir a ser ele precisa de seu esforço, de sua responsabilidade com voce mesmo, e de conhecimento. Principalmente de conhecimento.
O herói é o homem que foi ao encontro desse "ele definido".
A industria cultural sabe usar essa nossa fé com soberba simplicidade. Peter Parker encontrando dentro de si o Homem Aranha. Marinheiros partindo e retornando como Lobos do Mar.  Cowboys que se lançam ao deserto para se encontrar e voltam á cidade para a salvar. Reis do rock que se martirizam em individualismo e que retornam e nos passam sua mensagem.  É sempre o caminho do mergulhar dentro de si e o sair transformado no homem que se nasceu para ser. À parte do meio social, com ideias experimentadas e experimentais e pleno em sabedoria dolorosa. E sempre haverá o incômodo que causam/causaram herois reais como Muhammad Ali, Leon Tolstoi, Thoreau ou Oscar Wilde. Amados e repelidos, anti-dogmáticos e criadores de seguidores que os seguem sem nada para ser seguido, a não ser o exemplo da vida do herói que a viveu. Porque o herói de verdade nos convida a criar nossa sina, nossa vida, nossa dor. A saber que o compromisso é com voce-mesmo e com a vida.
Ninguém pode viver sua vida. E ninguém pode te salvar daquilo que voce faz de voce mesmo. Essa é a lição do herói. Esse é o começo do sentido da vida.