PRÉDIOS DE VIDRO E UM CÓDIGO FLORESTAL

Em Nova Iorque existe um novo tipo de profissão. É o cara que fica na calçada, em frente a um prédio, com pá e vassoura na mão. Sua função é recolher os pássaros mortos que desabam após trombar nas janelas espelhadas dos edificios. Uma mancha de sangue é logo removida também, e a vida continua. Pássaros batem nas janelas pensando que o reflexo do céu significa mais céu, liberdade. Se esborracham. Uma amiga me conta que já viu 3 maritacas morrerem num prédio da Paulista. E dái???? Voce pode dizer. É o preço de um lindo edificio. Te respondo baby: Esse prédio lindo é uma porcaria. Lixo descartável que não vai sobreviver a seu neto. E que quando for implodido não despertará o protesto de ninguém. Construções como eles existem aos milhares, são incapazes de criar HISTÓRIA. Voce os olha e não vê qualquer sinal de personalidade. E digo mais baby: Mesmo que voce possua desprezo pela vida, mesmo que voce diga "é só uma centena de pássaros....existem tantos por aí....", eu te digo, há uma mensagem nisso, basta saber ler.
O homem consegue fazer alguma coisa sem literalmente foder alguma coisa? O simples ato de se abir uma rua, fazer uma casa ou fabricar um copo, pode ser feito sem arruinar o equilibrio? Se pode, que assim seja! Se não é possível que se deixe de fazer.
O mundo vive uma grande ditadura. A do progresso. Foi fixado na cabeça de todos que o progresso tem um preço e que é impossível não pagar esse preço. Isso é tão repetido que abaixamos a cabeça e murmuramos amém. E se alguém ousar dizer que não, que esse tipo de evolução é ilusória, será tratado como herege, tonto ou pior: um reles perdedor. O nome dessa situação é ditadura.
Um pássaro vale muito mais que todos os prédios. Pelo fato de que podemos fazer um milhão de novos prédios, mas somos incapazes de dar vida a qualquer ser. Por mais que voce sofisme, esse argumento é claro e limpo.
O problema é que nada no homem, hoje, pode ser claro e limpo. Foi um dia, mas nos embrenhamos no obscuro e sujo. E tudo o que fazemos sempre tende a sujeira e a escuridão. Prédios se farão ruinas e ruas serão imundas. O progresso se mede pela construção de lixões.
Se voce ainda não viveu o bastante não saberá, talvez, do que falo agora, mas quem tem por volta de 40 anos já sentiu na pele a decadência inexorável das coisas. Das coisas feitas pelo homem. As naturais se renovam. Uma praia deserta se revista trinta anos depois estará como sempre. Um condomino nessa praia após trinta anos é velho e ultrapassado. Tudo que o homem faz tende ao obsoleto. Com duas únicas excessões. A arte verdadeira e a religião. Que na verdade nascem do mesmo impulso, a transcendência espiritual. Daí posso dizer que aquilo que é feito com a alma vence o tempo. O resto é lixo.
Entenda por alma o que desejar crer. Mas por religião não entenda igreja.
Na pulverização do mundo da infiormação todos falam de ecologia, de bichos fofos e de arte. Mas ninguém sabe do que fala. A experiência espiritual se transforma em informação e essa informação vira uma fofoca. Como Nietzsche sabia, se voce quer matar um sentimento fale dele.
Tudo no mundo tende a fofoca e a fofoca é a conversa feita em forma de lixo. Se fala de como Thomas Pynchon é esquisito mas não se fala de seus livros. A vida pessoal de Sarkozy é dissecada, mas ninguém quer saber de suas propostas ( que não existem na verdade ). É a cultura da biografia. Não da inteligência.
Para ser artista hoje é preciso produzir fofoca. Von Trier é mestre nisso. Até o nome de seus filmes chama uma fofoquinha. Mas pior que isso, os filmes são fofocas em si. Vamos espiar, dar uma espiadinha na vida doentia e louca daquele cara que faz coisas tão esquisitas. O cinema de arte, arte que não passa de um tipo de jornal sensacionalista com pretensões a seriedade, nada mais faz que nos convidar a espionar. Nada mais.
A grande mensagem de hoje seria a da vitória sobre o lixo. Modos de vida sem destruição, coisas que não se fizessem obsoletas, arte que não fosse esquecível. Triste constatação, no vazio absoluto de propostas revolucionárias que há no mundo, nada irá mudar. Podemos optar pelo liberalismo total ( que é o equivalente a se jogar o lixo debaixo do tapete ), um esquerdismo nostálgico ( que é como tentar reviver o que não deu certo ) e o obscuro caminho dos fanatismos do oriente e seus equivalentes ocidentais ( nazismo, stalinismo etc ). Todos esses pensamentos se equivalem, pensam na produção, no objetivo e nunca no caminho enquanto é vivido. Pensam no que virá.  Fazem lixo, deixam dejetos, enferrujam.
O dia em que China, India e Brasil passarem a consumir tanto quanto um europeu, o mundo entrará em colapso. Uma conta à lápis prova isso. Se a Africa começar a comer será o fim de tudo. Nosso sistema, seja esquerda ou direita, precisa de uma casta de consumidores e vastas regiões pobres para explorar. Quando todas forem consumidas e seus moradores passarem a poder consumir, precisaremos de outros planetas para pilhar. É uma lógica do século XVIII, criada quando apenas a Europa comia e o resto do Globo podia ser comido. Tantos séculos depois a nossa cabeça continua pensando igual.
Tudo isso é simbolizado na maritaca caída na calçada.